
As sacolas de lixo que se empilham nas ruas de Porto Alegre são apenas um dos sintomas de problemas acumulados pela empresa responsável pela coleta dos detritos, a B.A. Meio Ambiente. Além de estar em recuperação judicial — em processo que tramita na 13ª Vara Cível de Belém (PA), cidade onde foi fundada — a firma e seu dono, Jean de Jesus Nunes, são réus em duas ações por improbidade e duas ações criminais na Justiça Federal do Pará. Além dessas, respondem a três outros processos na área de patrimônio público.
O processo de recuperação judicial se deve a dívidas acumuladas que superam R$ 78 milhões (em valores de 2015, a serem corrigidos). Já as ações criminais e por improbidade tratam de duas licitações (obras de engenharia na capital paraense, nas regiões do Entroncamento e da chamada bacia da Estrada Nova), ambas próximas a Belém.
Na região da Estrada Nova, os contratos são de saneamento, atividade na qual a B.A. se especializou: tratam da urbanização de uma área que sofria com alagamentos. No Entroncamento, o contrato é para construir pistas de um viaduto. As obras não foram concluídas.
A B.A. Meio Ambiente é assídua em contratos com o setor público em Belém. Por meio de obras prometidas à prefeitura da capital paraense, movimentou mais de R$ 720 milhões entre os anos de 2008 e 2015. Está sendo processada por improbidade pelo Ministério Público Federal (MPF) no Pará, entre outros motivos, porque, apesar dessa movimentação de dinheiro, declarou apenas R$ 410 milhões de faturamento naquele período. Seria uma manobra para ocultar parte das quantias recebidas.
“Ou seja, a diferença de R$ 310,1 milhões entre o que foi declarado como faturamento e o que foi efetivamente creditado nas contas da B. A. Meio Ambiente Ltda teve, em tese, origem diversa da atividade operacional da empresa”, aponta o MPF, num dos processos.
Entre 2010 e 2020, por exemplo, a B.A. Meio Ambiente firmou nove contratos em Belém, todos na área de manejo e coleta de resíduos, limpeza e conservação. Alguns mediante concorrência, outros com dispensa de licitação (emergenciais).
Em nível estadual, o Ministério Público do Pará moveu três ações civis públicas contra a B.A. Meio Ambiente. Uma delas trata de possíveis irregularidades na contratação emergencial da empresa para serviços de limpeza urbana em canais e vias de Belém. A segunda cobra R$ 14 milhões por depreciação de maquinário emprestado pelo governo do Pará à empresa, para serviços de terraplenagem e drenagem. A terceira também se refere a uma dispensa de licitação em coleta de detritos.
Lava-Jato condenou antigos donos da B.A. Meio Ambiente
A B.A. Meio Ambiente surgiu no Rio de Janeiro em 2005. Foi fundada por Jacob Barata e seu primogênito, Jacob Barata Filho, grandes empresários do setor de transportes fluminense, que depois admitiram como sócio o paraense Jean de Jesus Nunes.
A empresa nasceu como multiserviços: para obras de terraplenagem, construção de rodovias e ferrovias, coleta de resíduos perigosos e não-perigosos, descontaminação de lixo, serviços de engenharia e, também, reparação de automóveis. Na realidade, deduz o Ministério Público Federal, essa multiplicidade destina-se a disputar licitações de vários tipos, onde quer que ocorram.
Os Barata, pai e filho, se retiraram da sociedade da B.A. Meio Ambiente em 2009. Os dois empresários do transporte coletivo foram depois investigados e condenados por corrupção. A Operação Lava-Jato constatou que gerenciavam uma caixinha da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Rio (Fetranspor) para o pagamento de propinas a agentes públicos.
E quem era o sócio dos Barata na B. A. Meio Ambiente? Jean de Jesus Nunes, o atual dono da empresa. Quando fundou a B.A., ele também era assessor do senador paraense Duciomar Gomes da Costa (na época, no PP), função que exerceu entre 2003 e 2005. Assim que o senador se elegeu prefeito de Belém pelo PTB, em 2005, Jean Nunes voltou ao Pará para trabalhar com ele, num cargo comissionado.
Duciomar, que foi prefeito de Belém duas vezes, é réu em 19 processos que tramitam na Justiça Federal. Em duas dessas ações, Jean de Jesus Nunes (dono formal da B.A. Meio Ambiente) também é acusado. Os dois, segundo o MPF, teriam fraudado licitação de obras de saneamento, com a inclusão da B.A. Meio Ambiente apenas pro forma, para figurar, com combinação de ofertas para que ela perdesse e outra empresa, de agrado do senador, fosse vencedora da concorrência pública.
“A empresa B.A. Meio Ambiente foi igualmente inabilitada por descumprimento do edital, não tendo constado em seus índices de liquidez geral, liquidez corrente, solvência e endividamento o carimbo e a rubrica do contador responsável. As falhas meramente formais da empresa participante, que sabia que seria inabilitada, indicam a participação desta apenas para simular a competitividade e intencionalmente perder a licitação”, argumenta o MPF paraense.
Duciomar já era investigado por outras fraudes, inclusive na área do lixo. Numa das investigações sobre licitações combinadas, a Polícia Federal prendeu um gari que recebia salário mínimo em 2008 e, em 2015, acumulava patrimônio de R$ 1,6 milhão. Sua ascensão se deu após virar sócio em empresas contratadas pelo ex-prefeito Duciomar para serviços de limpeza.
A suspeita do MPF é que Jean de Jesus Nunes, o dono da B.A. Meio Ambiente, também atue como testa-de-ferro de Duciomar. O ex-prefeito inclusive chegou a residir numa casa, num condomínio de luxo em Belém, que está em nome de seu ex-assessor Jean Nunes.
Depois que Duciomar deixou de ser prefeito, em 2013, o número de contratos firmados pela B.A. Meio Ambiente em Belém diminuiu, embora ela ainda faça serviços de coleta de detritos na capital parense. E as dívidas aumentaram, tanto que ela entrou em recuperação judicial. O débito da empresa, calculado pela 13ª Vara Cível da capital paraense (onde corre o processo), é de R$ 78,2 milhões.
Contrapontos
O que dizem a B.A. Meio Ambiente e seu dono, Jean de Jesus Nunes
A advogada que representa ambos em Porto Alegre, Priscilla Zacca Moyses, pediu que a reportagem enviasse e-mail com os questionamentos na quinta-feira (10). Nesta sexta-feira (11), informou por meio de uma secretária do escritório que a empresa não vai se manifestar.
O que diz Duciomar Costa, ex-prefeito de Belém (PA)
O advogado dele, Sábato Rosseti, diz que os processos judiciais relacionados à coleta de lixo não dizem respeito a seu cliente. Explica que as quatro ações movidas contra Duciomar e Jean Nunes, ao mesmo tempo, ocorrem porque os dois trabalharam juntos no Senado e na prefeitura de Belém. O advogado diz que não houve combinação de resultado de licitações e que tudo não passa de interpretações dos tribunais de contas, sujeitas à revisão, mas encaradas como se fossem "leis" pelo Ministério Público Federal. A respeito da casa onde morava o senador, Sábato assegura que não pertenceu a Jean. "Ele apenas pagava o condomínio, que ficou em seu nome".
O que dizem Jacob Barata e Jacob Barata Filho
Os defensores dos dois empresários não foram localizados pela reportagem.