Em depoimento prestado ao juiz de garantias Mirko Valinotti, o empresário brasileiro Wilmondes Sousa Lira, agente dos irmãos Assis Moreira no Paraguai, contou detalhes sobre como o trio se relacionou comercialmente com a paraguaia Dalia López, responsável por providenciar os passaportes com dados falsos que os levaram à prisão no dia 4 de março.
Uma das passagens marcantes do termo de declarações de Lira remonta o dia 1º de março de 2020: ele chegou ao Paraguai três dias antes de Ronaldinho Gaúcho e de Assis para organizar as atividades das quais eles participariam no país. No aeroporto Silvio Pettirossi, em Assunção, Lira contou ter sido recepcionado pelo marido de Dalia, chamado Luis Gauto.
"Eu conheci o marido de Dalia, o senhor Luis. Ele perguntou se havia tido algum inconveniente para passar pela alfândega. Eu disse que não, que estava tudo em ordem. Então, o senhor Luis manifestou: 'Viu como eu mando no aeroporto'", relatou Lira, acompanhado do seu advogado, perante a Justiça paraguaia.
Quando desembarcou no Paraguai para cuidar dos preparativos, Lira já portava o seu passaporte com dados falsos, o mesmo que o levaria a ser detido três dias depois junto dos irmãos Assis Moreira. No Paraguai, é cada vez mais cogitada a participação de funcionários do Ministério do Interior no episódio. Sem o auxílio do lado de dentro da burocracia estatal, não teria sido possível falsificar dados dos documentos.
O Grupo de Investigação da RBS (GDI) obteve acesso a um documento enviado pela Fundação Fraternidade Angelical, entidade assistencial comandada por Dalia, aos cuidados de Fernando Gallardo, da administração do aeroporto Silvio Pettirossi, no dia 3 de março, véspera do desembarque de Ronaldinho e Assis.
"Pela presente nota, faço o pedido formal de uso da sua prestigiosa sala vip do aeroporto internacional Silvio Pettirossi para o célebre ex-jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho", diz o documento.
Foram listadas pela fundação dez pessoas que teriam acesso à sala vip para receber os Assis Moreira: Dalia e seu marido Luis, um empresário, um general aposentado e três policiais, todos paraguaios, além de Lira, sua esposa Paula Lira, e outro homem identificado como Tiago Tristão.
No depoimento ao juiz, Lira contou que, quando Ronaldinho e Assis chegaram com os passaportes, ele percebeu que os documentos estavam sem as assinaturas dos titulares. Por isso, eles fizeram a firma na sala vip, instantes antes de os entregar às autoridades alfandegárias.
Lira ainda relatou ter conhecido Dalia em 2019, quando descreveu ideias de lançar uma biografia de Ronaldinho no Paraguai, batizada "Crack en la vida" (Craque na vida), e criar um projeto social de saúde móvel para atender populações carentes. Dalia se interessou pela oportunidade. Para tocar os projetos, foi criada a empresa Brasil Paraguay Inversiones. No sistema empresarial do Paraguai, a modalidade das "inversiones" oferece "regime de incentivo fiscal para o investimento de capital de origem nacional e estrangeira", entre outras vantagens.
Paula, esposa de Lira, foi designada presidente da Brasil Paraguay Inversiones. Por isso, ela foi a primeira a receber a documentação paraguaia providenciada por Dalia.
Lira disse ao juiz que, com o avanço do relacionamento comercial, Dalia e seu marido foram diversas vezes ao Rio de Janeiro e Brasília para fazer reuniões. Em uma dessas ocasiões, Dalia esteve na casa de Ronaldinho, na Barra da Tijuca, onde ela teria feito "muitas fotos".
Dalia segue foragida no Paraguai, tendo ordem de prisão contra si. Antes da detenção dos Assis Moreira, ela já era investigada no país por suspeita de lavagem de dinheiro.