O técnico em administração James Dayan Pereira Caminha, 38 anos, que teria comprado a casa do artista plástico Danúbio Gonçalves, disputa na Justiça a propriedade de um sobrado no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. O caso tramita na 2ª Vara de Sucessões do Fórum Central da Capital. O imóvel, uma construção de três pavimentos na Rua Dona Gabriela, está sob inventário por ser patrimônio do empresário Willi Ludwig Günther Schott, vitima fatal de infarto cerebral há quase oito anos.
Natural de Kaiserlautern, na Alemanha, Schott adquiriu a residência em 1976, vivendo ali até a morte, aos 74 anos, em 10 de outubro de 2011. Como Schott não teve filhos e não tem herdeiros diretos no Brasil, uma sobrinha dele, Gerlinde Möeckel, residente na Alemanha, se habilitou à herança, contratando o advogado gaúcho Bruno Anzanello Stifelman.
Após a morte de Schott, a moradia foi ocupada por uma mulher que foi companheira dele, mas sem direito sobre o imóvel, conforme decisão da Justiça. Ela permaneceu na casa por cinco anos, deixando o local no final de 2016. Dias depois, o advogado foi até lá para verificar as condições do sobrado e encontrou uma família como inquilina.
Um dos moradores alegou ter alugado a casa, pagando R$ 3,2 mil mensais ao dono, James. A situação levou o inquilino e James a procurarem a Justiça por intermédio do advogado Nicolas Mendes Aneli – com quem James negociou a casa do artista plástico Danúbio Gonçalves.
James apresentou cópia de um contrato de compra e venda, no qual consta ter pago a Schott R$ 680 mil à vista pelo sobrado. O contrato é datado de 20 de julho de 2011, três meses antes da morte de Schott, e contém selo de reconhecimento de firmas por autenticidade (quando a pessoa assina o documento no balcão do cartório), chanceladas pelo 1º Tabelionato de Notas de Porto Alegre.
O contrato original da compra e venda da casa não foi apresentado à Justiça. Procurado por GaúchaZH, o tabelionato informou não existir registro de atendimento de Schott e James naquele dia (20 de julho de 2011), e que o empresário alemão esteve só uma vez no cartório, em novembro de 2006, cinco anos antes da suposta venda da casa. Além disso, o sobrenome de Schott no contrato contém, ao menos, dois erros de grafia.
Stifelman, advogado de Gerlinde, diz que não entraram R$ 680 mil na conta bancária de Schott, referentes à venda do sobrado. Para ele, há fortes indícios de que o negócio não se efetivou:
— Há a suposta assinatura do contrato a menos de três meses do falecimento do senhor Willi e o transcurso de mais de cinco anos entre a suposta assinatura e a reivindicação do bem pelo suposto comprador. Ele não declarou imóvel ao fisco, e há incompatibilidade da renda declarada com a aquisição do imóvel. Ainda falta o contrato original para uma avaliação mais apurada do selo do tabelionato.
Ex-candidato a prefeito e processado pelos pais
Em processos judiciais sobre disputa de imóveis contendo o nome de James, um deles chama a atenção pelo inusitado. Foi aberto pelos próprios pais contra ele. Em março de 2012, pai e mãe ingressaram com ação na 2ª Vara Cível de Cachoeirinha, pedindo a reintegração de posse de uma casa na Vila Imbui.
No processo consta que a casa foi cedida a James por meio de comodato (empréstimo gratuito) para ele e a companheira morarem, mas o filho estaria se negando a devolver a residência. Ele teria ocupado a casa por oito anos. O processo teve duas audiências, e em junho de 2013, foi encerrado quando os pais informaram à Justiça que James havia deixado a casa.
Em 2012, James se candidatou a prefeito de Cachoeirinha pelo PRP. Foi quinto colocado (último) com 0,64% dos votos válidos (438). No Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, da Receita Federal, ele consta como dono ou sócio de três empresas – uma em nome dele, uma ferragem e uma lancheria. Todas têm registro de inaptas em outubro de 2018 por omissão de declarações ao fisco.
As dúvidas
- Não existe registro de que Willi Ludwig Günther Schott e James Pereira Caminha estiveram pessoalmente no 1º Tabelionato de Notas de Porto Alegre, em 20 de julho de 2011, para reconhecimento de assinatura por autenticidade.
- Schott foi uma vez no local, quando foi aberta ficha em novembro de 2006, e nunca mais voltou para assinar documentos.
- O tamanho da letra grafado no selo do contrato é diferente do selo emitido pelo tabelionato.
- O sobrenome de Schott está grafado no contrato com erro de grafia. Em vez de Schott, consta “Scrott”, e, no selo de autenticação do tabelionato, foi impresso Schot, com apenas um “t”.
Contrapontos
O que diz James Dayan Pereira Caminha
A reportagem de GaúchaZH procurou James em seis endereços em Porto Alegre, Cachoeirinha e Gravataí, sem o encontrar. Também tentou contato por meio de dois telefones celulares. Em um deles, foi deixado mensagem de texto, mas ele não respondeu. De acordo com um familiar, James estaria morando em São Paulo.
O que diz o advogado Nicolas Mendes Aneli
Aneli assegura desconhecer irregularidades no contrato de compra da casa de Danúbio por James. Afirma que recebeu o imóvel como pagamento de honorários, em torno de R$ 150 mil (o preço da casa é R$ 750 mil). Diz que o saldo não foi pago, pois percebeu “que tinha alguma coisa estranha”, após receber notificações da filha de Danúbio.
O advogado afirma conhecer James desde 2015, em uma “relação de profissional e de cliente, mas jamais esteve na casa dele”. Nos últimos meses, James não atenderia telefonemas nem responderia mensagens.
– Ele foge da minha pessoa como se tivesse fugindo da polícia. Me deve honorários. Assim como ele pode ter feito outras vítimas, ele pode ter feito o próprio advogado (eu) de vítima. Jamais levaria para um registro de imóveis um contrato fraudado. Poderia ser preso. Se houve fraude, foi muito bem feita. Com as ferramentas que disponho, não descobri nada disso. Sobre reforma da casa, Aneli afirma que, “obra de restauração não precisa de autorização da prefeitura da Capital”.
Em relação ao processo de venda da casa de Willi Schott, Aneli diz que não advoga mais para James. Afirma desconhecer irregularidade no negócio, e, segundo ele, a pessoa que se apresentou como herdeira de Willi não é parente, pois não pertenceria à árvore genealógica da família.