Um em cada três cartórios extrajudiciais no Rio Grande do Sul está nas mãos de interinos, embora a Constituição exija reposição do titular em no máximo seis meses. A anomalia se deve ao fato de que há quatro anos concurso aberto pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJ) para prover 162 vagas de tabeliães e registradores está sub judice.
O imbróglio é fruto de processos que chegaram até o Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) questionando a prova de títulos – uma das fases do concurso na qual são atribuídos pontos pela qualificação profissional, como especialização, mestrado e doutorado. A situação não é exclusiva dos gaúchos. Seleções em outros cinco Estados são alvo de ações semelhantes em Brasília. Em Pernambuco, a autenticidade de títulos é investigada pela Polícia Civil.
Leia mais
Entenda a cronologia da controvérsia em concurso para tabelião no RS
TJ considera válidos certificados de faculdade alvos de recursos em concurso para tabelião no RS
RS tem 27 cartórios investigados por irregularidades e desvios de dinheiro
Entenda como funcionam os cartórios extrajudiciais
Candidatos melhores colocados teriam apresentado certificados de cursos de pós-graduação lato sensu em Direito sem valor legal. As queixas partem de concorrentes que se sentem prejudicados.
A primeira contestação foi sobre a quantidade de títulos de ensino a distância (EaD). Alguns candidatos apresentaram dezenas de certificados de pós-graduação. Para o concurso do TJ gaúcho, um concorrente listou 12 cursos concluídos em 18 meses. Em geral, um aluno consegue estudar para até duas pós em um ano, mas a reclamação não prosperou. O concurso em questão é de 2013, assim como os de outros Estados, e no edital não havia limite de apresentação de títulos (veja abaixo).
Faculdade não estava credenciada, diz MEC
O segundo questionamento diz respeito às faculdades e universidades que forneceram os documentos. Ao menos seis instituições não teriam licença do Ministério da Educação (MEC) para ofertar os cursos, segundo o advogado mineiro Ricardo Bravo.
Tabelião em Corumbá (MS) e concorrente no concurso do TJ gaúcho, Bravo está entre os que contestam o certame em Brasília. Ele analisou certificados e garante que uma das instituições de ensino fornecedora de títulos supostamente inválidos é a Faculdades Integradas de Jacarepaguá (FIJ), no Rio de Janeiro.
Segundo Bravo, a FIJ seria responsável por 30% dos certificados apresentados por candidatos bem colocados no concurso. O advogado sustenta que a faculdade não poderia oferecer especializações em Direito a distância, por não ter credenciamento do MEC para isso:
– Ela só pode ministrar pós-graduação na área de seu conhecimento acadêmico, e o Direito não faz parte.
No cadastro do MEC, disponível na internet, consta que a FIJ tem oito cursos de graduação, entre os quais Administração, Educação Física e Enfermagem. No site, também aparecem opções de pós-graduação. São três tipos de cursos em Acupuntura.
ZH questionou o MEC sobre a FIJ. A resposta, por meio da assessoria de comunicação, é de que a faculdade nunca teve credenciamento para oferta de curso de pós-graduação lato sensu a distância em Direito. O ministério ainda confirmou que, entre agosto de 2013 e fevereiro de 2017, a FIJ foi impedida de matricular novos alunos de pós-graduação por ter iniciado a oferta desse tipo de curso fora de sua área de conhecimento.
O TJ avaliou os certificados e os considerou válidos. O CNJ deverá dar a palavra final sobre a reanálise.
Leia também
MP aponta fraude de impostos em tabelionato de Porto Alegre
VÍDEO: vítimas relatam golpes que sofreram em tabelionato da Capital
Cartório em Canoas tem despesas não comprovadas e altos salários
Com arrecadação milionária, interinos respondem por um terço dos cartórios
Justiça Federal condena tabelião por sonegação fiscal na Região das Missões
CONTRAPONTO
O que diz a FIJ
Zero Hora telefonou duas vezes para a faculdade e enviou três e-mails, incluindo um diretamente para a ouvidoria da FIJ, mas não obteve retorno.