"Estou aprendendo novas técnicas no Brasil."
A frase do médico Daniel Andrés Correa Posada foi definitiva para Diana Perez Giraldo. Sentada no elegante consultório da Clínica Especialistas del Poblado, localizada no bairro nobre de El Poblado, em Medellín, Colômbia, a massoterapeuta decidiu ali, a contragosto do marido, Julio Cesar Giraldo, 43 anos, fazer a operação para implante de silicone nos seios. A palavra mágica, "Brasil", utilizada pelo profissional a seduziu. Afinal, o país onde supostamente o médico colombiano cursara pós-graduação é reverenciado no âmbito da cirurgia plástica, graças a nomes como Ivo Pitanguy. Além dos seios, Posada, 38, a convencera a fazer o que chamam na Colômbia de "combo" – um pacote de intervenções que inclui abdominoplastia e que custou 12 milhões de pesos colombianos, o equivalente a R$ 13,4 mil, parcelados em duas vezes e pagos antes do procedimento.
– Não havia necessidade, ela tinha o corpo bonito. Mas insistiu que queria fazer com Posada, porque ele havia dito que estava cursando especialização no Brasil – recorda Julio Cesar, falando a ZH em seu apartamento em Medellín.
Às 6h10min de 25 de fevereiro de 2016, Diana entrou na sala cirúrgica da clínica. Ao meio-dia, antes de liberar a paciente, Posada chamou Julio Cesar:
– Foi a cirurgia mais difícil que já fiz. Tive de repetir no seio esquerdo três vezes, porque a pele não fechava. Os músculos são tão magros que se via o coração.
Diana e Julio Cesar foram para casa. Quatro horas depois, ela começou a se sentir mal.
– Parece que me perfuraram as costas – disse ao marido.
Alertado de que algo não ia bem, Posada enviou uma enfermeira ao apartamento. O médico a orientava por meio do WhatsApp: "Os sintomas são normais: levante os pés, caminhe. Amanhã, nos vemos às 10h".
Diana não iria à consulta do dia seguinte. Horas depois da troca de mensagens, ela ficou inconsciente. Vomitou sangue diante de Julio Cesar e dos dois filhos do casal, Susana, 13 anos, e Santiago, 12. Morreu perto da meia-noite, na Clínica Soma, onde os médicos ainda tentaram reanimá-la. Diz a avaliação das 23h16min: "Saída de material espumoso de ambas as fossas nasais, mamas com feridas cobertas com micropore muito sujo de material, com sangramento moderado ativo. No abdômen, se observa ferida cirúrgica na região hipogástrica". Insuficiência respiratória e embolia pulmonar foram apontadas como causas da morte. Na investigação aberta pelo Ministério Público, o processo apura "homicídio culposo (suposta responsabilidade médica)". "Pode ser determinado que há nexo de causalidade entre o embolismo pulmonar e procedimentos cirúrgicos estéticos realizados", afirma documento de 3 de março.
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Diana, que tinha 35 anos, teria sido vítima de um esquema que tem como uma de suas engrenagens o Grupo Educacional Facinepe, com sede em Porto Alegre (veja imagens de algumas vítimas abaixo). O médico Daniel Posada, que operou Diana, apresenta-se como cirurgião plástico e afirma ter especialização no Brasil. Tem certificado de pós-graduação lato sensu em Cirurgia Plástica Reconstrutiva e Estética emitido pela Faculdade Centro Sul do Paraná (Facspar), não reconhecido na Colômbia. A Facspar pertence ao Grupo Facinepe, investigado pelo Ministério da Educação (MEC) por suspeita de irregularidades na oferta de cursos, conforme ZH veiculou em reportagem em março.
No histórico acadêmico de Posada emitido pela Facspar, consta que o curso foi ministrado em São Paulo, com duração de três anos, entre agosto de 2012 e julho de 2015. Mas a Facspar, criada em 2009, só passou a oferecer pós-graduação em fevereiro de 2015, quando foi comprada pelo Grupo Facinepe.
O certificado de Posada aponta que o médico participou de 8.160 horas/aulas, equivalente a 10 horas de estudos diários em cinco dias por semana. ZH apurou que o médico declarou endereço na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, Rio de Janeiro, mas só entrou oficialmente no Brasil pela primeira vez em 7 de junho de 2014, no voo 0873 da Copa Airlines que chegou ao aeroporto do Galeão. Ou seja, as datas não fecham: há uma lacuna de dois anos sem registros de seu ingresso no país e que, portanto, não poderia estar estudando. O histórico da Facspar atesta 100% de frequência em aulas presenciais em 16 disciplinas.
A partir de 2014, suas viagens ao Brasil, com visto de turista, duravam, em média, três dias.
O documento aponta como coordenador das disciplinas de cirurgia geral e maxilofacial Thomas Stockmeier, ex-empregado do Grupo Facinepe. Médico do trabalho e homeopata, Stockmeier tem litígios com o Facinepe na Justiça estadual e na Justiça do Trabalho e nega ter sido professor de Posada.
– Não sou cirurgião. Nunca ministrei esse curso. Tenho provas de que, nos anos em que esse curso teria sido ministrado em São Paulo, eu trabalhei em Minas Gerais e Pará – afirma.
Posada recebeu nota 10 no trabalho de conclusão (TCC) com o tema Estudo de Técnica Cirúrgica Versus Complicações em Pacientes de Mamoplastia Redutora. Consta no histórico que o médico teve como orientador o advogado Faustino da Rosa Jr., ex-CEO do Grupo Facinepe. O fato de Faustino orientar TCCs de médicos, sendo profissional de Direito e não de Medicina, chamou a atenção em relatório de vistoria na sede do Grupo Facinepe, que deu origem a investigação da empresa por parte do MEC.
Em Medellín, Posada é suspeito de causar lesões em 12 mulheres. A clínica Especialistas del Poblado atende entre 50 e 70 pacientes por mês. Funciona em uma casa na esquina da Carretera 46, arborizada avenida pela qual passa um córrego, e a Calle 7. Quando ZH esteve no local, entre 16 e 19 de maio, havia uma obra na garagem. Pelas frestas de uma grade, um segurança armado recebia visitantes. Ninguém entra sem autorização.
Mesmo antes de obter o certificado de cirurgia plástica, Posada fazia intervenções estéticas há pelo menos sete anos, período em que colecionou vítimas, como a advogada Erika Montoya, operada em 2010.
– Depois da gravidez, fiquei com os seios caídos. Fiz a cirurgia com a expectativa de que levantassem. Mas continuaram caídos. Senti uma prótese mais para cima do que outra. Eu me movimentava e sentia que a prótese se movia também – relembra Erika.
Ainda que sem validade no Brasil, o título de Posada lhe rende um diferencial em Medellín. Pacientes contam como o profissional se gaba das supostas técnicas aprendidas no país vizinho.
– Aprendi no Brasil a técnica do ponto invertido, que vai te deixar sem cicatrizes – prometeu a Johana Munõz Carvajal, cuja cirurgia nos seios infeccionou.
Posada aproveita-se da fama da escola brasileira para angariar clientes, inclusive na Europa e nos EUA. Mas o "ponto invertido" não passa de um procedimento comum de sutura, executado por qualquer cirurgião. Na fanpage do médico no Facebook aparece a inscrição "Cirurgião Plástico – Brasil".
No primeiro contato, ele encanta as pacientes com promessas de um corpo perfeito, mostrando-lhes fotos de clientes, entre elas supostas modelos. Em geral, as mulheres o procuram para uma cirurgia de seios. Posada propõe outras intervenções. Acrescenta lipoaspiração ou lipoescultura (transferência de gordura do abdômen para os glúteos, por exemplo). O "combo" custa cinco vezes menos do que uma cirurgia de um profissional da Sociedade Colombiana de Cirurgia Plástica, Estética e Reconstrutiva. Posada não é filiado à entidade.
A ilusão da primeira consulta começa a se esvair quando as pacientes entram no quirófano, como é chamada a sala cirúrgica na Colômbia. Nem sempre é Posada quem aparece para a operação, embora assine o histórico cirúrgico. Quando os problemas pós-operatórios surgem, ele se propõe a corrigir imperfeições. Uma nova cirurgia é feita, às vezes com anestesia local, como a da empresária Angela Estefanía Obando, que ficou oito dias internada por conta da infecção das duas mamas.
– A cirurgia doeu muito. Fiquei consciente. O que fizeram foi pôr um algodão com álcool, só isso – conta Angela, 29 anos.
Posada enfrenta três casos abertos pelo Ministério Público de Antioquia (departamento cuja capital é Medellín) em fase de coleta de provas. O promotor William Moreno Camelo, responsável pela apuração, evita fazer comentários.
– Se Posada incorreu em falta prevista no código penal, significa prisão – diz uma fonte do MP.
Em resposta a pedidos de entrevistas, o Tribunal de Ética Médica respondeu que seus magistrados não podem falar sobre processos em andamento.
Posada entrou no radar das autoridades após a morte de Diana. Mas há uma década o vereador de Medellín Bernardo Guerra denuncia o que seria uma quadrilha formada por clínicos gerais que buscaram especialização em cirurgia plástica em cursos piratas no Brasil (além da Facspar, há a Universidade Veiga de Almeida no Rio de Janeiro), na Argentina e no Peru. Os colombianos chamam o grupo de Bacrim (banda criminal) de las Batas Blancas, em referência à cor dos jalecos.
Guerra ficou sabendo, por denúncia que ZH veiculou em março, que a Facspar é uma faculdade de papel. Há quatro anos, o grupo Facinepe tenta credenciar no MEC duas faculdades, mas os pedidos foram negados. Como o Facinepe nunca teve uma faculdade e, por consequência, não poderia emitir certificados de seus cursos, em fevereiro de 2015 o grupo se tornou mantenedor da Facspar. E os certificados passaram a ser emitidos em nome desta. A Fascpar está fechada desde 2011. Nunca teve curso reconhecido pelo MEC e está com credenciamento vencido desde 2012. Ou seja, o diploma de Posada não tem validade.
Médicos como Posada aproveitam-se da falta de regulamentação de cirurgias estéticas na Colômbia. Na prática, qualquer médico pode fazer operações do tipo.
– Mas isso não dá a liberdade de exercer o que se quiser fazer como médico – afirma Luiz Botero, ex-presidente da Sociedade de Cirurgia Plástica, Estética e Reconstrutiva, Seccional Antioquia.
Para fazer especialização em cirurgia plástica na Colômbia, são necessários quatro anos de formação com dedicação exclusiva. Para obter o título de especialista pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), o médico precisa ter formação clínica de seis anos, dois anos de formação em cirurgia geral e três de especialização em cirurgia plástica, totalizando 11 anos de estudo.
– O Brasil está exportando um modelo fraudulento – sentencia Luciano Chaves, presidente da SBCP, que esteve em Bogotá em 2016 para solicitar a autoridades colombianas o cancelamento dos títulos emitidos a partir de diplomas ilegais da Facspar e da Universidade Veiga de Almeida.
Posada teve a validação de seu título negada em 6 de abril deste ano pelo Ministério da Educação colombiano, mas a decisão não é definitiva.
ZH procurou por Posada na Clínica Especialistas del Poblado em 18 de maio, mas uma empregada informou que ele está fora do país por dois meses. Questionado se estaria no Brasil, a mulher não confirmou. A advogada de Posada, Lina Ochoa, marcou entrevista para as 14h de 19 de maio, mas a cancelou, alegando outros compromissos.
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Contrapontos
O que diz a Universidade Veiga de Almeida:
Informou que recebeu visita de uma comissão do Ministério da Educação da Colômbia, que atestou a regularidade.
O que diz a advogada de Daniel Correa Posada:
Por e-mail, Lina Ochoa declarou que seu cliente está fora do país por segurança. Enviou documento do Tribunal de Ética Médica de Antioquia, certificando que Posada não tem sanções disciplinares. Anexou documento da Polícia Nacional, informando que não tem antecedentes. Lina diz que a Facspar dispõe de autonomia para outorgar títulos e que Posada nunca se encontrou com Faustino.
O que diz o advogado Faustino da Rosa Junior:
Por e-mail, disse que foram ex-colaboradores que trataram questões sobre o curso com Posada. Lembrou que foi CEO do Grupo Facinepe, mas que não possui nenhum vínculo com a empresa desde janeiro de 2017. Assegurou que nunca teve contato direto com Posada, apenas avaliando o trabalho de conclusão, corringindo normas da ABNT.