O fenômeno das fraudes em concursos públicos, revelado pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) em reportagem especial veiculada terça-feira em Zero Hora e RBS TV, é resultante de uma cultura criminosa instaurada no país. Essa é a convicção firmada pelo promotor Mauro Rockenbach, da Promotoria Especializada Criminal, responsável pela maior parte das investigações sobre esse tipo de crime no Rio Grande do Sul.
Rockenbach encabeçou três grandes ações específicas contra esquemas criminosos que envolvem concursos. A primeira, a Operação Gabarito, desencadeada em 2008. A segunda, a Operação Missioneira, em 2012. E a terceira, a Operação Cobertura, que começou em 2015, já teve várias etapas e virou uma espécie de "Lava-Jato dos concursos".
Todas elas tiveram várias ações derivadas, com apreensão de documentos em dezenas de municípios e, em alguns casos, prisões de suspeitos de comandar as fraudes.
O ritmo de julgamentos não acompanha o das investigações. A Gabarito tem 270 pessoas denunciadas e 25 condenadas. A Cobertura já teve 136 denunciados e nenhum condenado até o momento. Com relação à Missioneira, o Ministério Público não contabilizou as denúncias. Todas correm risco de prescrição, já que as penas são baixas.
Nas três operações, a fraude mais comum é a escolha dos concursados. O organizador do certame, já escolhido mediante licitação, oferece ao prefeito ou presidente da Câmara de Vereadores a possibilidade de aprovar quem eles desejarem (via de regra, afilhados políticos). A outra fraude frequente é a licitação combinada: empresas organizadoras de concursos acertam quem será contratado pelo município, mediante concorrência pública, carta convite ou tomada de preços. As perdedoras apenas disputam para figurar. Há ainda um terceiro tipo de crime, menos frequente, no qual o candidato compra sua vaga, diretamente com os organizadores do concurso (sem usar políticos para isso).
A reportagem do GDI mostrou gravações de telefonemas nos quais políticos relacionam todos os candidatos que desejam ver aprovados nos concursos – e, inclusive, alguns que querem ver reprovados, como em Campestre da Serra. Foram também revelados diálogos em WhatsApp com combinação de licitações e indicação de afilhados do prefeito para cargos públicos na cidade de São Jorge. A matéria também mostrou fenômenos curiosos, como um concurso, em Cristal do Sul, no qual 23 dos 26 aprovados têm parentesco ou ligação política com o prefeito e a vice-prefeita. Muitas das empresas organizadoras de concursos são de "fundo de quintal", funcionam numa sala da residência do dono, sem qualquer segurança para as provas elaboradas.
Desde 2008, fraudes foram detectadas em 95 municípios gaúchos – um em cada cinco. O grande salto nas investigações aconteceu desde 2015, com 50 cidade sob suspeita.
– Mas não é só aqui. As fraudes se espalham por todo o Brasil. Acredito que seja como o fenômeno do leite adulterado, algo cultural, que tem de ser banido, com fiscalizações cada vez mais frequentes _ analisa Mauro Rockenbach.
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