O esquema de corrupção envolvendo bolsas de estudo na Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) custeou a reforma do apartamento de um professor e pagou a viagem de férias da mãe de outro docente na Europa. Esses são alguns exemplos do destino dado ao dinheiro público que deveria estar empregado na produção de conhecimento em fraude descoberta pela Polícia Federal (PF). Nesta sexta-feira, seis pessoas foram presas.
A PF descobriu que um dos professores detidos remodelou a residência onde mora, e, ao invés de pagar o escritório responsável pela prestação do serviço, inscreveu um arquiteto no programa de pós-graduação como bolsista. Assim, a remuneração se deu por meio de valores destinados ao financiamento na área da educação.
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Dinheiro da mesma origem também financiaria a viagem de uma servidora da UFRGS para os Estados Unidos. Na casa dela, em Canoas, agentes encontraram cálculos em um quadro branco com a previsão de receitas para bancar as férias – R$ 6 mil seriam pagos com o valor repassado pelas "bolsas".
Segundo a PF, o esquema consistia no desvio de recursos de bolsas de estudos e programas de ensino na área da saúde pública vinculados à Escola de Enfermagem da UFRGS a partir de um convênio com a Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs). Pessoas sem qualquer vínculo com a universidade eram incluídas no programa de bolsas para receber valores indevidos que podiam chegar a R$ 6,2 mil mensais.
– A fraude se dava de diversas formas. A primeira consistia na criação de vínculo fictício com programas de pós-graduação e atribuição de bolsas para essas pessoas. Em alguns casos, as bolsas eram repassadas integralmente aos coordenadores do curso de pós-graduação, e, outras vezes, parcialmente. Havia também o desvio de recursos mediante o pagamento de autônomos, diárias fictícias e outros artifícios – diz o delegado Aldronei Rodrigues, da Delegacia de Combate à Corrupção e Crimes Financeiros da PF.
Pelo menos R$ 5,8 milhões de desvios estão comprovados. No entanto, os investigadores acreditam tratar-se de um montante mais expressivo, uma vez o valor dos projetos sob suspeita soma R$ 99 milhões. Centenas – possivelmente, mais de mil – bolsas de estudo teriam sido distribuídas irregularmente.
Além de ocupar as vagas de pessoas que realmente querem estudar, parte dos falsos bolsistas jamais frequentou uma aula, apresentou qualquer trabalho ou produziu pesquisa – mas recebia o dinheiro como se tivesse feito. O grupo ainda mantinha uma "caixinha". Trata-se de uma conta na qual uma parcela da quantia arrecadada irregularmente era depositada para ser dividida entre os demais envolvidos no esquema. A PF suspeita ainda que servidores de universidades públicas de outros Estados do país estejam envolvidos.
Foram presos o ex-vice-reitor da UFRGS e atual diretor-presidente da Faurgs, Sergio Nicolaiewsky; um dos coordenadores do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGCol) da Escola de Enfermagem, Ricardo Burg Ceccim; o professor da Escola de Enfermagem da UFRGS Alcindo Ferla; a professora da Unisinos Simone Chaves; Marisa Behn Rolim, servidora da universidade e secretária do PESC/PPGCol, e a filha dela, Priscila Behn Rolim Coronet.
Contrapontos
O que diz Paulo Magalhães Filho, advogado da Faurgs
A Faurgs está sendo absolutamente colaborativa e, assim que tomar ciência do conteúdo total da investigação, vai se posicionar.
O que diz André Callegari, advogado do Sergio Nicolaiewsky, ex-vice reitor da UFRGS e atual diretor-presidente da Faurgs
Ainda não tivemos acesso ao material apreendido. Mesmo ssim, ele (Sergio) está prestando esclarecimentos de boa fé. Na condição de presidente da Faurgs, ele só dirige a entidade, mas os projetos são de responsabilidade dos respectivos coordenadores, que têm autonomia para trabalhar. Existe um princípio da confiança. Se presume que os coordenadores estão fazendo o correto dentro daquilo que está sendo executado. Como a prisão dele é temporária, vou aguardar o depoimento para ver se vão liberá-lo ou não. Se não houver isso, entraremos com pedido de liberdade.
O que diz a UFRGS
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) foi surpreendida nesta sexta-feira, dia 9, com a notícia sobre operação desencadeada pela Polícia Federal relacionada a fraudes no Programa de Extensão em Saúde Coletiva – Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva. Diante disto, cumpre-nos informar: as denúncias ora veiculadas restringem-se unicamente aos programas citados; a UFRGS, até o presente momento, não foi procurada por nenhuma instância para tratar sobre o assunto; acompanha com muita atenção os desdobramentos das investigações; coloca-se à disposição para auxiliar em todos os esclarecimentos que se fizerem necessários para a elucidação dos fatos.
O que diz a Escola de Enfermagem
A diretoria do curso estava ainda não se manifestou.
O que diz Karla Sampaio, advogada de Ricardo Ceccim, um dos coordenadores do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGCol) da Escola de Enfermagem, e de Alcindo Ferla, que atua na Escola de Enfermagem da UFRGS
Estamos tranquilos em relação às acusações. Nada do que foi noticiado se verifica. Não tive acesso aos autos nem à investigação, mas pelo que conversamos não há procedência. Acredito que eles serão liberados no fim de semana, pois se trata de prisão preventiva de cinco dias.
O que diz a professora da Unisinos Simone Chaves
ZH não conseguiu contato com a professora ou seu advogado.
O que diz a Unisinos
A Unisinos tomou conhecimento nesta sexta-feira, pela imprensa, de operação realizada pela Polícia Federal que apura desvio de recursos de programas federais de incentivo à pesquisa, especialmente do Projeto SUS Educador, em projetos relacionados à área de Educação em Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A Unisinos informa que não tem vínculo com os projetos objeto da investigação. Informa, ainda, que as ações da Polícia Federal não têm por alvo a Unisinos e que, dentre as pessoas referidas na investigação, está uma pesquisadora da Universidade que realizou seu mestrado e doutorado na UFRGS.
Segundo a universidade, a professora e coordenadora do mestrado profissional em Enfermagem da Escola de Saúde da Unisinos, Simone Edi Chaves, presa na operação, está afastada das funções até o término das investigações.
O que diz o médico Hêider Aurélio Pinto, ex-secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde e que obteve título de mestre na UFRGS
ZH não conseguiu contato com o médico ou seu advogado.
O que dizem Marisa Behn Rolim, servidora da universidade e secretária do PESC/PPGCol, e a filha dela, Priscila Behn Rolim Coronet
Procurado, o advogado Emilio Millan Neto ainda não deu retorno.