Os piquetes que fazem parte do Acampamento Farroupilha deste ano devem apresentar projetos culturais com o tema Etnias do Gaúcho: Rio Grande Terra, de Muitas Terras. Ao todo, são 240 trabalhos que serão avaliados por uma equipe técnica composta por historiadores, tradicionalistas, representantes de etnias e da Secretaria de Estado Adjunta da Cultura.
Os projetos são apresentados pelas entidades por meio de uma pesquisa própria ou com o convite de historiadores e palestrantes. As iniciativas avaliadas com nota máxima, que é cem, receberão uma certificação. O resultado será divulgado até o próximo dia 20.
A coordenação geral é da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa, Comissão Municipal dos Festejos Farroupilhas de Porto Alegre e GAM3 Parks.
Nos últimos dias, a reportagem de GZH esteve no acampamento para conhecer três dos projetos que buscam manter viva a história gaúcha.
Inclusão no acampamento
O conflito entre portugueses e espanhóis. A chegada de alemães e italianos ao Estado. A presença de negros e indígenas na formação da cultura gaúcha. Esses assuntos foram alguns dos tópicos apresentados aos alunos da Escola Especial para Surdos Frei Pacífico, de Porto Alegre, no Acampamento Farroupilha. A conversa foi parte do projeto cultural apresentado no Piquete Raiz Missioneira.
Os estudantes participam de oficinais nas quais usam materiais recicláveis para a elaboração de trabalhos artísticos. Na quinta-feira (8), eles foram ao acampamento para expor as tarefas feitas na escola, o que inclui autorretratos. No espaço, eles conheceram parte da história do Rio Grande do Sul, que foi contada por Irete Engler, patroa do piquete.
A tradução para libras foi feita por Camila Vargas, intérprete da escola. A presença do grupo no acampamento é uma forma de integrar os alunos à sociedade, diz Davi Rodrigues da Silva, coordenador do trabalho educativo e do centro social da Frei Pacífico.
— A ideia da inclusão é fundamental. Este (acampamento) é um espaço tradicional de Porto Alegre, e ter a comunidade de jovens surdos aqui é fundamental para o processo de desenvolvimento deles como cidadãos, mas também no nosso, como ouvintes, para perceber a diversidade e a possibilidade da convivência com esse mundo plural — comenta.
A patroa do piquete relata ter conhecido o trabalho feito na escola durante uma missa. Por isso, os tradicionalistas começaram a coletar materiais recicláveis para utilização nas atividades dos estudantes. Ao conhecer melhor o projeto, porém, Irete diz ter gostado da iniciativa e, assim, decidiu convidar o grupo para participar de uma atividade no acampamento.
— Os alunos não têm como virem sozinhos aqui, porque precisam de apoio para ter a oportunidade de conhecer o lugar. Nós temos essa preocupação de que o acampamento não seja só churrasco e chimarrão. Por isso fazemos com que eles tenham esse espaço, para que fiquem confortáveis no nosso galpão — comenta Irete Engler.
Além da escola de surdos, outras instituições foram convidadas pelo piquete para participar de atividades na próxima semana: duas Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes), a Associação de Pais e Amigos das Pessoas com Deficiência (Apapede), de Esteio, e a EEEF Vila Cruzeiro do Sul, de Porto Alegre.
A origem dos termos gaúchos
De onde veio a palavra "piá"? "Bergamota" é um termo gaúcho? Ou, ainda: qual língua deu origem à palavra "churrasco"? Essas perguntas são respondidas há quatro anos em uma pesquisa conduzida por Ricardo Soares, 60 anos, escritor e historiador tradicionalista.
Esse tipo de levantamento é chamado de etimologia, um campo de estudo da linguística que trata da história e da origem das palavras.
O pesquisador apresentou o trabalho no Acampamento Farroupilha deste ano, como o projeto cultural do piquete Guardas da Tradição. Soares comenta que o trabalho teve início a partir de um interesse pessoal. Ao pesquisar os termos, ele identificou que muitas das palavras comuns no dia a dia dos gaúchos foram originadas em línguas de povos que vivem longe do Estado.
— Para a minha surpresa, encontrei termos que curiosamente tinham origem distante do Rio Grande do Sul, como no árabe, no nauatle (do México), quíchua dos Incas, ainda falada nos Andes, no Peru. Muitos termos que estão arraigados no nosso linguajar vêm dessas línguas — explica.

Ele cita outros termos que foram emprestados de povos que tiveram contribuição linguística devido à imigração: dialeto açoriano, alemão, italiano e polonês. Há outras influências comuns no linguajar dos gaúchos, como é o caso do espanhol, o tupi-guarani e o latim, que também são estudados no trabalho do tradicionalista.
O historiador estima ter reunido cerca de 500 palavras até o momento. Conversas do dia a dia e músicas tradicionais do Estado são fontes nas quais o pesquisador encontra materiais para iniciar uma nova investigação.
— Acredito que essa pesquisa seja única, pois não encontrei nenhum livro para me basear, exceto alguns dicionários gaúchos, e também algumas obras de tupi-guarani que pesquisei. Temos um grande número de termos para estudar, e minha intenção é continuar com esse trabalho— comenta Soares, que pretende transformar o material em um livro.
A origem de algumas palavras, de acordo com Ricardo Soares, historiador e tradicionalista
- Churrasco: do espanhol basco "sukarra", que quer dizer "em chamas", "queimando"
- Bergamota: do turco "beg armudi", que significa "pera do príncipe"
- Piá: no tupi-guarani significa "coração"
- Charque: do quíchua "charki" ou araucano "charqui", que significa carne salgada
Patrimônio cultural e culinário
O trabalho no piquete Estância do Titi Véio começou no dia anterior à visita de GZH, com a salga dos três quilos de carnes. Para acompanhar, três quilos de arroz, cebola e alho: os ingredientes para a elaboração do carreteiro, um dos pratos mais tradicionais do Estado. Assim foi o processo de construção do projeto cultural do piquete que ocupou o setor D do Acampamento Farroupilha deste ano.
— O carreteiro tem uma importância muito grande para o gaúcho, porque é parte da nossa tradição. Por isso escolhemos esse prato como o nosso projeto cultural, mas sempre fizemos carreteiro nesses mais de 20 anos que viemos aqui no acampamento — comenta Cosme da Silveira Caetano, o patrão do piquete.

Cleber Camargo, cozinheiro do piquete, foi o responsável pelo preparo do carreteiro, desde o processo de salga no dia anterior, que inclui a troca de água várias vezes, até o cozimento do arroz com os outros condimentos, que ocorreu na quarta-feira (7).
O prato típico gaúcho foi feito em uma panela de ferro sob o fogão campeiro. Depois, foi servido para cerca de 60 pessoas, acompanhado com feijão campeiro. O carreteiro feito pelo cozinheiro recebeu nota 9.7 no acampamento em 2019, na última edição do evento antes da pandemia de covid-19.
— Fizemos o carreteiro com dedicação, amor e muito carinho para que seja bem servido. Quem faz comida tem que gostar de fazer comida, se não gostar, não adianta ir para as panelas porque não vai sair coisa boa — comenta o cozinheiro.