O objetivo não é o mesmo da época da Revolução Farroupilha, mas o Rio Grande do Sul se encaminha para ter reforço nas tropas. Seival, embarcação histórica usada pelo italiano Giuseppe Garibaldi em 1839, ganha uma reprodução em tamanho real, idealizada por um desbravador que tenta conquistar a atenção dos seus alunos.
— Não é um barco para tirar fotos, passeio ou folclore. É uma forma didática de as crianças aprenderem história e consciência ambiental — resume o professor Antônio Rodrigues, 57 anos, criador do projeto.
O barco — na época chamado de lanchão — integrou uma das investidas mais épicas das tropas separatistas: a tomada de Laguna, cidade do litoral catarinense a 160 quilômetros da praia gaúcha de Torres. Com o porto de Rio Grande fechado pelos imperialistas, os soldados farrapos construíram carroções de madeira para transportar duas embarcações por terra, o Seival e o Farroupilha, puxados por duas centenas de bois durante trechos do trajeto entre Camaquã, na Costa Doce, e Tramandaí, no Litoral Norte.
A partir da Lagoa Tomás José, próximo ao limite com Imbé, as naus rumaram pelo mar. Farroupilha (também chamado de Rio Pardo) naufragou, causando a morte de 16 integrantes da tropa de Garibaldi. Seival prosseguiu, com 30 soldados a bordo, até a então província de Santa Catarina.
Erguido em uma espécie de estaleiro improvisado na antiga sede dos bombeiros de Camaquã, o "modelo 2020" da embarcação preserva o comprimento e a largura apontados em registros históricos: 15m x 3m6cm. Mosquetes e um canhão serão instalados no convés, em uma espécie de museu para fins educativos. Uma luneta do período em que as navegações ocorreram, e que pode ter sido usada por Garibaldi, é mantida em um estojo de madeira envidraçado.
Baseada em uma réplica em pequena escala, a embarcação tem suas principais características mantidas, com leme a ser instalado na popa para guiar o percurso programado para o primeiro semestre do ano que vem. A previsão de finalização dos trabalhos coincide com o período em que será celebrado o bicentenário do nascimento de Anita Garibaldi, esposa do general italiano, nascida em Laguna.
— O trajeto terá um cronograma, respeitando a cronologia. Não poderemos fazer, como naquela época, o caminho pelo meio da mata com os bois, mas vamos preservar ao máximo o realizado por ele — complementa o historiador Lionei Brocca, secretário da Associação Socioambiental Amigos do Seival, criada para gerir o projeto.
A epopeia de Seival durante a expedição de guerra surpreendeu o exército imperial, que mesmo com armamento superior foi derrotado em 24 de julho, data da tomada de Laguna. Cinco dias depois, foi proclamada a República Juliana, ato que propagou o ideal dos guerreiros do Rio Grande do Sul: descentralizar o poder e questionar os desmandos do governo brasileiro, como a alta taxação do charque gaúcho.
Até mesmo o aliado David Canabarro, que atacou os imperialistas em investida por terra firme, se mostrou estupefato pela bravura dos homens que levaram Seival até Santa Catarina. A admiração se confirma nas memórias ditadas pelo próprio Garibaldi ao escritor Alexandre Dumas, citadas pelo jornalista Rodrigo Lopes em reportagem de 2017, quando, ao lado do repórter fotográfico Jeferson Botega, refez o caminho das embarcações.
— Esse gringo é louco, pensara David Canabarro — cogitou a pesquisadora Maria Cardoso Faistauer, coautora do livro A Saga de Garibaldi no Capivari, entrevistada por GZH.
Pensado em 2018, a ocupação do terreno e a colocação do primeiro prego ocorreu em dezembro de 2019. Em nove meses, cerca de 60% da construção foi finalizada. Para quem olha sem conhecimento técnico, o que se vê é o esqueleto de um barco com a base montada.
As madeiras que sustentarão a estrutura sobre a água, envergadas a partir do calor de um maçarico, chamam atenção pela curvatura bem acabada. Há ainda barreiras a serem vencidas, como a colocação do mastro e a simulação do visual da vela o mais próximo da original, feita à época com sacos de sementes.
— O mastro tem 12 metros e meio, não cabe aqui no estaleiro. E nas velas, acho que vamos imprimir algo sobre a fibra usada em embarcações regulares — explica Rodrigues.
Até navegar, o investimento previsto deve alcançar R$ 300 mil. Sem nenhum apoio governamental, parte da verba saiu do próprio bolso dos integrantes da associação, que também recebe apoio de pequenas empresas do município, que fornecem material e ferramentas. Parcerias com empresas que busquem apenas o lucro com a exposição da réplica, sem priorizar o uso para o fim didático, são descartadas pela associação.
Custeado pelos amigos de Seival, o carpinteiro naval Jader Pontes, 40 anos, toca o projeto diariamente. E relembra quando estudava na antiga escola, em São Lourenço do Sul:
— Eu conhecia a história pelos livros, nunca imaginei que estaria dentro do barco do Garibaldi.