O Ministério Público (MP) denunciou três pessoas pelo homicídio culposo, sem a intenção de matar, da jovem indígena Jaqueline Tedesco, de 26 anos, após um incidente com um aparelho de fondue durante um jantar de formatura em Rio Grande, no Sul do estado, em março.
Foram denunciados os donos do restaurante Le Petit, um homem de 38 anos e uma mulher de 36, além de uma funcionária do estabelecimento, de 19 anos. Os nomes dos acusados não foram divulgados. A Polícia Civil já havia indiciado os três por homicídio culposo.
O advogado dos donos do restaurante, Affonso Celso Pupe Neto, afirmou que não teve acesso à denúncia, mas que tem "convicção de que nossos constituintes devem ser absolvidos ao final de eventual processo, pois não há nenhuma ação ou omissão que justifique sua responsabilização penal" (leia a íntegra do comunicado abaixo). A reportagem não localizou a defesa da funcionária.
No entendimento do promotor Fernando Gonzalez, os donos do restaurante foram negligentes "por terem ignorado regras de segurança imprescindíveis para o manuseio de fontes de calor". Segundo o MP, eles autorizaram "a funcionária a usar fogareiro sem supervisão e sem receber treinamento adequado, além da utilização de produto químico".
Já em relação à funcionária, o MP considerou que ela foi imprudente "pelo fato dela ter manuseado fonte de calor despejando de forma inconsequente álcool gel diretamente em um rechaud (utensílio de cozinha metálico usado para manter alimentos aquecidos) sem verificar que havia resquício de fogo no equipamento". A denúncia ainda aponta que a jovem "não usou um abafador necessário para controle de chamas, ignorando recomendações técnicas e sem ter cuidados básicos no atendimento a pessoas".
O MP pediu, com medida cautelar até regularização perante o Poder Público, a imediata suspensão das atividades do restaurante para evitar reiteração dos atos criminosos. Além do homicídio culposo, os acusados foram denunciados por duas lesões corporais de familiares da vítima.
— Foi uma série de negligências dos proprietários, além da imprudência da funcionária do restaurante. A morte da vítima causou imensa comoção social, pois, além de sua extrema gravidade, Jaqueline era uma jovem indígena, pertencente, portanto, a um grupo vulnerável que, na ocasião, estava comemorando a sua formatura no curso de Direito — disse o promotor.
Relembre o caso
Natural de Planalto, no Norte do RS, Jaqueline tinha origem em uma comunidade Kaingang. A jovem de 26 anos comemorava a formatura no curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), no dia 9 de março, em um jantar com familiares e amigos no restaurante quando houve o incidente. Segundo relato da família à polícia, uma garrafa de álcool explodiu quando uma funcionária tentava reabastecer o aparelho de fondue.
À reportagem, o namorado da jovem, Jariel Costa, disse que o vestido dela pegou fogo após o incidente.
— Quando vi que ela estava com fogo no vestido, fiquei nervoso e rasguei o vestido dela para tirar o fogo.
Jaqueline foi internada na Santa Casa de Rio Grande, com 30% do corpo queimado, e morreu no dia 15 de março.
A morte comoveu a comunidade acadêmica da FURG e lideranças indígenas. A universidade manifestou pesar pelo falecimento e decretou luto oficial. A ministra Povos Indígenas, Sonia Guajajara, publicou uma homenagem à Jaqueline nas redes sociais.
A mãe de Jaqueline, que organizava uma festa em Garibaldi, onde vivia a família, realizou o enterro da jovem na cidade da serra gaúcha.
— Eu vim para cá para levar minha filha advogada e eu estou levando ela dentro de um caixão — disse Joceli Moraes, na ocasião.
Nota do advogado do restaurante
"Ainda não tivemos acesso à denúncia e, por isso, não temos como formular qualquer manifestação. No entanto, considerando a dinâmica dos fatos e o acompanhamento que fazemos desde o princípio da investigação, temos convicção de que nossos constituintes devem ser absolvidos ao final de eventual processo, pois não há nenhuma ação ou omissão que justifique sua responsabilização penal. Em matéria criminal, é incabível responsabilizar objetivamente qualquer pessoa e, nos termos do art. 13 do Código Penal 'o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido'. Desse modo, reforçamos, muito embora ainda não tenhamos tido acesso ao conteúdo da denúncia (e, tampouco, saibamos se ela foi recebida pelo Poder Judiciário), estamos certos de que a absolvição de nossos constituintes deve ser declarada no julgamento final".