O uso da inteligência artificial (IA) nos gabinetes e nas salas de audiência dos tribunais do país divide opiniões entre os advogados. O assunto tem gerado polêmica e a discussão já chegou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que não proíbe o emprego da ferramenta.
A entidade investiga o caso de um juiz que redigiu uma sentença à qual teriam sido acrescentadas jurisprudências inexistentes criadas pelo ChatGPT (ferramenta de inteligência artificial). Na ocasião, o juiz, que era titular da 2ª Vara Cível e Criminal de Montes Claros (MG), negou indenização a uma servidora pública em uma decisão com oito processos inventados pelo ChatGPT.
O tema será debatido em evento que ocorre em Porto Alegre nesta semana. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) promove a Cidade da Advocacia 2024, no espaço Multiverso do Cais Embarcadero e no Armazém 6 do Cais Mauá, no Centro Histórico de Porto Alegre. O encontro será realizado desta terça-feira (13) até sábado (17) e terá entrada gratuita (confira os horários e temas aqui).
Haverá a presença de mais de 300 palestrantes, espaço de coworking, oficinas e atividades culturais. Um dos temas do evento será o uso da inteligência artificial na Justiça e na advocacia.
Para o advogado Juliano Madalena, que atua como professor na área do Direito Digital da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), o evento é encarado como uma retomada depois da enchente de maio no Rio Grande do Sul.
— Depois das enchentes, muitos eventos no Sul, em especial em Porto Alegre, foram cancelados ou transferidos para outras localidades. A OAB-RS decidiu manter a Cidade da Advocacia. A ideia é atrair todas as pessoas com esse espírito de retomada — afirma, mencionando a reabertura do Cais Embarcadero e do Cais Mauá, que foram inundados pela cheia.
Entre os destaques da programação estarão a empresária e ex-jurada do Shark Tank Brasil Camila Farani, o ex-jogador Tinga, a professora, escritora e filósofa Lúcia Helena Galvão, o neurologista e escritor Pedro Schestatsky, conhecido como Dr. Pedro Neuro, e o radialista Porã.
Além disso, o evento terá a Praça do Futuro. Trata-se de um espaço destinado à inovação, à tecnologia e às empresas que estão construindo o futuro da advocacia.
— Este evento é marcado pelo DNA da tecnologia. Há um diálogo intenso entre Direito e tecnologia. É transversal e perfaz todas as áreas do Direito. A Praça do Futuro representa esse espaço de convivência com o saber jurídico e a tecnologia como um instrumento inafastável da atualidade do profissional do direito — acrescenta Madalena.
Na Cidade da Advocacia, o dia 15 será dedicado ao estudo do direito digital no Multiverso. Serão tratados por especialistas temas como regulação da internet, inteligência artificial, direito eleitoral e fake news em IA. Em relação ao uso do ChatGPT, o advogado deixa claro que sua aplicação não substitui o profissional do direito.
— A sua natureza é puramente instrumental — resume.
Advogado alerta sobre possibilidade de o Judiciário usar IA de forma massiva
Para o advogado e perito digital Bernardo de Azevedo, a inteligência artificial vem auxiliando a advocacia e o Poder Judiciário em tarefas como pesquisa jurídica, antecipação de comportamentos das partes e das direções judiciais, mas alerta para um problema:
— Existe um grande risco, sobretudo de o Poder Judiciário utilizar isso em massa para a tomada de decisão.
— Os advogados vão exigir que haja transparência e que os algoritmos informem como chegaram àquela conclusão. Este é um ponto problemático e um dos grandes riscos que se vislumbra para os próximos anos — acrescenta Azevedo.
O ChatGPT também tem gerado polêmica em outros países. Nos Estados Unidos, dois advogados, que representavam um homem que processava uma companhia aérea em função de um acidente ocorrido um voo em 2019, foram multados em R$ 24 mil após enviarem à Justiça de Nova York uma petição com casos inventados pela ferramenta. Na Colômbia, um magistrado recebeu críticas após utilizar o ChatGPT para decidir acerca do acesso de uma criança autista a tratamentos médicos necessários.
— Vejo o ChatGPT como uma ferramenta de suporte para a prática jurídica. Vai auxiliar o advogado a amplificar a sua inteligência humana, ajudar a tomar decisões, organizar o raciocínio e gráficos, mas o advogado continuará sendo essencial — acredita, salientando que a ferramenta representa um complemento.
Questões éticas e de segurança de dados são citadas por advogado
Para o advogado Alexandre Mello, autor do livro A Inteligência Artificial e o Mínimo Informacional, que será lançado no sábado (24), às 16h, na Livraria Paisagem do Moinhos Shopping, o tema precisa ser analisado de forma ponderada. Ele elenca os aspectos positivos e negativos no uso da IA.
— Inegavelmente, a IA tem um potencial de automatizar uma série de procedimentos e tarefas repetitivas, liberando a capacidade intelectual de todos os agentes do sistema de Justiça — diz Mello, observando que as tomadas de decisão terão um volume maior de informações.
Dentre os aspectos negativos, o advogado menciona a questão ética:
— Esses sistemas de automatização e de processamento das informações, é preciso ter uma transparência em relação a esse uso. De modo a não carregar o sistema com vieses que existiam fora dele.
Para o profissional, é importante o advogado particular transmitir para o cliente que ele utiliza a ferramenta artificial como forma de aprimorar o serviço. Assim, o cliente pode ou não optar pelo escritório. Já em relação ao uso no serviço público, segundo Mello, isso precisa ser ainda mais transparente.
— A chave é a segurança, transparência e atenção com a privacidade para que possamos utilizar todos os benefícios da IA na universalização do acesso à Justiça, tomada de decisões informadas e mais previsíveis, com maior eficiência e qualidade em um mundo cada vez mais complexo e conectado — conclui.
A expectativa dos organizadores é de que 20 mil advogados participem do evento em Porto Alegre. As inscrições podem ser feitas neste link.