Quando conseguiu voltar para casa no dia 2 de junho, uma moradora do bairro Rio Branco, em Canoas, tratou de logo comprar os móveis destruídos pela enchente. Com o auxílio reconstrução de R$ 5,1 mil e o FGTS sacado pelo irmão, comprou duas peças de cozinha, três guarda-roupas e uma cama no Atacadão Miranda Móveis do bairro Boqueirão, num valor aproximado de R$ 7,5 mil. Quando o prazo de 40 dias passou, a moradora, que não quis se identificar, recebeu uma ligação da loja.
— Eles ligaram dizendo que tinha três peças para entrega. Na minha ingenuidade achei bom, vão entregar uma cama, uma cômoda, ou um roupeiro. Ou os três. Só que eles vieram com uma cômoda e dois balcões (da cozinha). Eu até olhei para o entregador e disse "é como eu comprar um carro na concessionária e receber só três rodas. O que eu vou fazer com isso?"
Mais de dois meses depois, apenas a cama e uma peça de guarda-roupas foram entregues. No correspondente à cozinha, a família pediu o estorno dos valores no dia 9 de agosto. A promessa foi de que o dinheiro seria devolvido em 48 horas, mas até agora o recurso não retornou para a conta.
A mesma família ainda luta para conseguir a devolução do valor de um sofá comprado em outra loja, o Atacadão dos Móveis, que também fica na Avenida Boqueirão. Depois de 42 dias, ao reclamarem, receberam a informação de que o sofá não estava mais disponível.
— Prontamente disseram "a gente vai lhe estornar o valor". Aí a gente perguntou cadê o dinheiro e disseram que pra entrar na conta, o banco demora de 7 a 10 dias para estornar. Só que nosso pagamento foi à vista. A gente ficou esperando, mas não temos comprovante de estorno, temos só uma promessa. Pra nós deu 12 dias (na terça-feira, dia da entrevista), mas para eles têm que contar dias úteis, era nove — relatou a mulher, que ainda precisou pagar uma taxa de R$ 14,10 para solicitar o estorno.
Ao pedir um comprovante de devolução, recebeu a promessa de um novo prazo: outros 10 dias.
Problemas após enchente
Desde maio, o número de reclamações contra as duas lojas disparou no Procon de Porto Alegre e Canoas. A plataforma Reclame Aqui também recebe diariamente novas queixas envolvendo descumprimento de prazo de entrega e não devolução de valores.
Em seu perfil oficial em uma rede social, a Miranda Móveis emitiu um comunicado informando que estão passando por um período de alta demanda nas vendas pós-enchente devido "ao compromisso de oferecer os menores preços do mercado". E completa informado que ao contrário dos concorrentes "não exploramos os nossos clientes. Em vez disso, trabalhamos diretamente com as fábricas para negociar preços mais baixos".
A mesma nota sugere que os clientes que puderem busquem as compras diretamente no centro de distribuição da loja em Viamão para "agilizar o processo". Produtos seguem sendo ofertados pela página, mas os comentários foram bloqueados em todas as publicações.
Somente no Procon de Porto Alegre, a Miranda Móveis recebeu 66 reclamações em 2024. Sendo que 45 entre 1º de maio e 12 de agosto. A maioria cita problemas de entrega.
— A gente já costuma receber reclamações dessas empresas e, agora, por conta da enchente, das perdas que as pessoas tiveram, houve uma maior procura por esses móveis e automaticamente aumentaram as reclamações no Procon. A pessoa tem o direito de receber em condições o que ela comprou. A gente acredita que esse aumento (de queixas) ocorreu pelo aumento da procura. A empresa está conseguindo fazer as entregas, mas na grande maioria os produtos não estão adequados como o consumidor escolheu na loja — disse o diretor do Procon Porto Alegre, Rafael Gonçalves.
O Procon de Canoas não divulga o nome de lojas autuadas, mas Zero Hora apurou que a Miranda Móveis recebeu 80 reclamações desde maio deste ano, a maioria por problemas na entrega. Conforme o órgão, quase todas as reclamações mediadas foram resolvidas.
— O primeiro papel do Procon é sempre a harmonização das relações de consumo, esse contato Procon e empresa, fazendo a intermediação para atender de forma célere a demanda do consumidor — explicou o diretor e agente de Defesa do Consumidor do Procon de Canoas, Daniel Braul.
Já o Atacadão dos Móveis recebeu um número menor de reclamações, mas a dificuldade do Procon Canoas em mediar e solucionar os problemas do consumidor motivaram uma ação em parceria com o Procon Estadual e com a Delegacia do Consumidor, do Departamento de Investigações Criminais. Desde maio, foram 53 reclamações contra a empresa no Procon Municipal de Canoas, e 11 multas aplicadas.
A Polícia Civil confirmou que acompanhou o Procon durante fiscalização na empresa e que o órgão buscou documentos para verificar se era apenas quebra de contrato com reparação civil ou se há possibilidade de crime. Por enquanto, não há procedimento instaurado na Delegacia do Consumidor.
— A gente tem a multa, a suspensão de atividades, cassação. Então tem um rol de atividades ali, mas normalmente o Procon trabalha no mecanismo da multa. Se num primeiro processo não se resolver, a gente avalia outras opções até que a empresa mude a conduta — afirmou Braul.
Na página do Atacadão dos Móveis, não há nenhum comunicado envolvendo atrasos, mas da mesma forma a loja segue ofertando produtos e com comentários bloqueados nas publicações.
Além de Porto Alegre e Canoas, Zero Hora apurou que há moradores com problemas semelhantes em outras cidades da Região Metropolitana, como Alvorada e Eldorado do Sul.
Contraponto
O que diz o Atacadão dos Móveis
A administração do Atacadão dos Móveis afirmou à reportagem que houve um atraso nas fábricas e que ainda existem situações pontuais devido à alta demanda. Também afirmou que nunca cobrou por nenhum valor de estorno e que devolveram sempre os valores no dinheiro ou no pix, mesmo para pessoas que pagaram por cartão de crédito.
Sobre as reclamações no Procon, informou que sempre foram resolvidas da melhor forma possível, com entrega do produto ou estorno de valores. A empresa também afirma não ter informações do setor do marketing sobre comentários bloqueados ou excluídos nas redes sociais.
O que diz o Atacadão Miranda Móveis
O Atacadão Miranda Móveis informou que desde e enchente as fábricas enfrentaram problemas logísticos para receber e produzir os móveis e que isso acabou impactando nas lojas. Em contato com a Zero Hora, o diretor comercial, Otto Hartmann, ainda afirmou que os prazos são atualizados para os clientes.
— Sempre passamos o prazo das fábricas para os clientes. Tinha produtos que estavam combinados de chegar num prazo, mas atrasaram. Hoje estamos chegando mais perto do prazo normal de entrega — afirmou.
Sobre as reclamações no Procon, Otto diz que a empresa criou um setor para atender diretamente os órgãos e estão dando 100% de retorno para os clientes. Também afirma que os estornos são feitos de forma imediata, via pix, mesmo para clientes que pagaram via cartão de crédito.
Inclusive, questões de retornos aos clientes, atualmente aumentamos nossa capacidade de atendimento, devido a alta demanda, porém nem sempre retornam da maneira como gostaríamos, entendemos completamente nossos clientes, e estamos trabalhando forte para solucionar o problema de todos!
A empresa também criou um canal exclusivo para atendimento de demandas de pós-venda, pelo Whatsapp (51) 99735 2564