O arquiteto Rafael Olbermann, 41 anos, postou uma mensagem em sua página no Facebook no dia 7 de maio. Na mensagem, o morador de Arroio dos Ratos, na Região Carbonífera, pedia doações de madeira, lixas e parafusos para colocar em prática uma ideia para ajudar os flagelados da enchente no município — construir uma linha de móveis de primeira necessidade. Tudo seria doado gratuitamente para quem perdeu tudo. No dia posterior, apareceram amigos e até outras pessoas dispostas a ajudar.
— Toda madeira, parafuso e cola foram doações feitas por moradores daqui da cidade — conta o arquiteto, que desenhou os móveis visando o aspecto prático.
Além da vontade de auxiliar, havia um outro motivo muito mais forte e pessoal para Rafael querer fazer diferença em um momento tão delicado para tantas famílias. No dia 12 de março, ele e a esposa Eduarda Camboim, 30, perderam a bebê Lia, que havia nascido prematura, com cardiopatia e teve uma infecção. Ela era irmã gêmea de Íris, que está com três meses de vida e dá nome à iniciativa do pai: Projeto Íris - Para o recomeço dos gaúchos.
— Tivemos um atendimento muito bom no Hospital Santa Clara da Santa Casa de Misericórdia em Porto Alegre. Fiquei com vontade de retribuir o que fizeram por nós — revela, ao lado da esposa e da filha Íris.
Rafael e os demais envolvidos na iniciativa, que chegaram a ser 12 voluntários, recebem tábuas de pinus de 10 a 30 centímetros. Em seguida, colocam a mão na massa. Serram, lixam, montam e pintam. Neste momento, os móveis são preparados em uma marcenaria que cedeu o espaço voluntariamente e sem cobrança. Aliás, ninguém recebe dinheiro por participar da ação. Já foram entregues 81 móveis para 46 famílias de Arroio dos Ratos. A causa mobilizou até o músico Dado Villa-Lobos, ex-Legião Urbana, que postou um vídeo de apoio à ideia.
— A gratidão que eu recebi quando entregamos o primeiro móvel, que foi uma cama para um casal de idosos, não tem preço. O abraço que ganhamos deles — compartilha outro participante, o motorista de aplicativo Giovani Silva, 41.
Nesta terça-feira (4), a reportagem de GZH esteve na marcenaria em Arroio dos Ratos onde alguns móveis estavam sendo produzidos. Giovani, que já teve experiência no passado como marceneiro, chorou ao mostrar uma cama construída por ele para ser entregue a uma criança. A mãe havia pedido para que a cama tivesse um telhadinho para lembrar uma casa. Era para uma família que perdeu tudo.
— A importância disso que estamos fazendo é o propósito — diz o aposentado Luiz Sergio Oliveira Lopes, 69.
Os móveis mais produzidos são camas, roupeiros, mesas para pias e criados-mudos. A ordem de fabricação dos itens segue uma lista de quem pediu primeiro. As entregas são realizadas com o auxílio de um caminhão e de um carro com reboque. Tudo oferecido de graça por outros participantes.
Dono da marcenaria, André Ehlers, 47, não esconde a felicidade de participar de mobilização tão solidária. Ele comenta sobre o que mais o toca durante o processo.
— É muito gratificante, principalmente quando a gente vai entregar os móveis nas casas — afirma.
Quem quiser ajudar, especialmente com doações de tábuas de pinus de 30cm, pode fazer contato com Rafael pelo e-mail rafaruizpizzio@gmail.com ou procurá-lo no Facebook. Com 14 mil habitantes, Arroio dos Ratos foi atingida pela cheia e a prefeitura decretou situação de emergência no dia 30 de abril. Cerca de 2 mil pessoas foram afetadas pela enchente e ficaram sem água, já que a estação da Corsan na cidade ficou inundada. O acolhimento dos flagelados ocorreu no CTG David Canabarro.