Uma pinguela improvisada sobre canoas serviu para a travessia de Angelita de Brum Dias, 60 anos, de Arroio do Meio a Lajeado, na manhã desta terça-feira (21). No colo, ela carregava a neta Antonella, recém-nascida, equilibrando-se sobre as águas do Rio Forqueta. Ali existia uma ponte de concreto, que foi levada pela maior enchente da história do Rio Grande do Sul. No lugar, o Exército improvisou uma passarela pênsil montada sobre barcos metálicos, amarrados uns aos outros por cabos de aço. O próprio comandante do Exército, general Tomás Paiva, testemunhou a passagem da avó e do bebê pelo pontilhão flutuante, apreensivo e aliviado. Viu ali que a engenhoca funciona.
O comandante do Exército visitou no mesmo dia o Vale do Taquari e a Quarta Colônia, próxima a Santa Maria, regiões que sofreram com a enchente. São dezenas de pontes caídas, trechos de estradas erodidos e várzeas ainda alagadas, que não permitem aos donos de residências que retornem. As Forças Armadas realizam aí a maior operação humanitária da sua história. O general veio ao Rio Grande do Sul para conferir pela terceira vez em 15 dias. GZH acompanhou o deslocamento dele por alguns dos principais pontos de alagamento, num helicóptero Cougar, acompanhado de oficiais do Estado-Maior e do Comandante Militar do Sul, general Hertz Pires do Nascimento.
A pinguela flutuante improvisada pelo Exército, apenas para pedestres, é agora a única ligação entre duas cidades do Vale do Taquari, Arroio do Meio e Lajeado. Por ela transitam 4 mil pedestres todos os dias. Em breve, essa estrutura singela ganhará a companhia de uma ponte de verdade, metálica e com capacidade até para caminhões, que será montada por batalhões de engenharia do Exército, talvez em uma semana. Foi para supervisionar esse tipo de ação que o general Tomás passou os últimos dois dias no Rio Grande do Sul.
Quase 17 mil militares das Forças Armadas estão designados para atuar nas enchentes que assolam o Rio Grande do Sul há 21 dias. Esse número é cerca de 27 vezes o contingente inicial, que era de 626 fardados, nos dois primeiros dias das cheias.
Só do Exército são pelo menos 11,2 mil integrantes nas operações para viabilizar rodovias e pontes, além de 1,8 mil da Marinha, que destinou oito navios e um barco-patrulha oceânico para a ação, e cerca de 3,5 mil militares da Aeronáutica. As Forças Armadas resgataram até agora mais de 70 mil pessoas e cerca de 7 mil animais, contabiliza o general Tomás. Todo o setor de Engenharia é empregado na reconstrução de estradas, com efetivos completos dos batalhões de Cachoeira do Sul, Lages e Tubarão, cidades de Santa Catarina, Porto União, do Paraná.
A incursão do general começou com atraso de duas horas, em razão da neblina. Ele começou pela ponte pênsil improvisada, denominada passadeira, utilizada pelos pedestres que, depois de atravessá-la usam veículos para se deslocarem pela região.
Tomás visitou também um centro logístico para designação de donativos controlado pelo Exército, em Lajeado, e um hospital de campanha das Forças Armadas montado em Estrela, as duas cidades separadas pelo Rio Taquari. O hospital militar fez 1,5 mil atendimentos de média e baixa complexidade desde o início das cheias, em maio, apenas com uso de geradores, porque a luz ainda não voltou ao bairro onde está situado.
Só em Estrela cerca de 30% das residências do município foram afetadas. As águas destruíram 1,5 mil casas, contabiliza o vice-prefeito João Schaeffer. Outras 4,5 mil foram inundadas, mas podem ter recuperação, acredita ele, que enumerou os prejuízos ante o olhar espantado do general Tomás.
— A sua presença e do seu pessoal nos conforta e nos traz segurança — disse ao general, emocionada, a secretária municipal de Saúde de Estrela, Márcia Scherer, que é policial civil e já teve de lidar com tantes enchentes até perdeu a conta, "mas nunca com algo como essa".
Em Lajeado, o comandante percorreu ruas para assistir ao trabalho de remoção de escombros e da lama deixados pelo Rio Taquari, feito por militares do Exército. É quase como enxugar gelo, comparou, mas necessário.
Do Vale do Taquari, o general Tomás se deslocou para a região central do Estado. Em Santa Maria, almoçou na base aérea e supervisionou os trabalhos preparatórios para a montagem de uma ponte metálica sobre a RS-287, entre Santa Maria e Restinga Seca. A estrutura será cedida pelo Exército e deve estar pronta em menos de uma semana. À noite, o comandante do Exército retornou a Brasília.
— Voltaremos quantas vezes for preciso. Estamos vivendo uma nova etapa, de limpeza e de reconstrução de serviços básicos, como reabertura de estradas e fornecimento de água. O Rio Grande vai se reerguer — concluiu o general Tomás.
Como funcionam as pontes flutuantes
As passadeiras flutuantes foram inventadas para fazer tropas transporem rios, a pé. Foram meios utilizados durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial e são utilizados até os dias atuais em diversos Exércitos do mundo.
Seu padrão construtivo consiste no seguinte:
- Inicialmente, é realizado o lançamento de um cabo-guia (um cabo de aço ancorado de uma margem a outra), para conter a força da correnteza sobre a equipagem
- Depois, é montado um primeiro lance metálico, com união de um painel sobre dois barcos flutuadores
- Em seguida são encaixados sucessivos lances de um painel sobre um flutuador, até que o primeiro lance chegue na segunda margem
- Por fim, são montadas as rampas de acesso dos pedestres aos barcos.
As passadeiras são usadas no Brasil desde a década de 1960. Nas enchentes de maio, até o momento, foram montadas seis passadeiras: três em Sinimbu, uma entre Lajeado e Arroio do Meio, uma entre Travesseiro e Marques de Souza e uma em Candelária.
O Exército vem desenvolvendo uma passadeira de fabricação nacional, baseada na alemã Passadeira Infantry Assault Bridge (IAB).