Uma série de impasses em negociações envolvendo os governos estadual, federal e a iniciativa privada vem restringindo a visitação a alguns dos mais importantes atrativos naturais do Rio Grande do Sul.
Concedidos à iniciativa privada em 2021, os parques nacionais de Aparados da Serra e da Serra Geral, em Cambará do Sul, registram frequência abaixo do esperado e aguardam por uma série de medidas como pavimentação de estradas, novos investimentos em atrações e a rediscussão sobre modelo e valor de cobrança de ingresso. Essas medidas esbarram na falta de consenso, enquanto audiências realizadas em solo gaúcho e em Brasília ainda tentam destravar as possíveis soluções. Até o momento, não há uma indicação clara de quando isso poderá ocorrer.
A estimativa da prefeitura de Cambará é de que o movimento de turistas esteja atualmente cerca de 50% abaixo do período anterior à concessão de ambos os parques à empresa Urbia. O valor único de R$ 97 estabelecido pela concessionária para acessar os dois locais é considerado por parte da comunidade de Cambará um dos motivos da fuga de visitantes, mas outros fatores também são apontados para o cenário de dificuldades tão profundas quanto os cânions locais.
Um deles é a má condição da estrada estadual que conduz ao Itaimbezinho, no Aparados, após as pesadas chuvas dos últimos meses. O poder municipal, mediante convênio com o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer/RS), nas últimas semanas realizou um trabalho de manutenção para nivelar o piso de chão batido. O asfaltamento da via, considerado importante para facilitar o deslocamento ao cânion, depende de um acerto com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O Daer já tem um contrato de obra para o trecho de 17 quilômetros entre o centro de Cambará e a entrada do parque, mas há uma discordância com o governo federal envolvendo o licenciamento ambiental. O Estado entende que uma licença já emitida pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) permitiria pavimentar os 11 quilômetros que ficam fora da área do parque nacional. O Ibama entende que cabe a si autorizar o projeto e exige que o departamento estadual apresente estudo e plano básico ambientais — o que demandaria tempo e investimento.
Em nota a GZH, o Ibama informa que "está em análise um pedido de convalidação de licenciamento da rodovia que foi iniciado na Fepam, mas não foi apresentado o estudo solicitado". Já o Daer, também por meio de nota oficial, argumenta que, "no entendimento da nossa área técnica ambiental, não há necessidade de fazer todos os levantamentos que o Ibama solicitou, porque o lado da rodovia do Rio Grande do Sul dentro do parque já está com o traçado definido. Basicamente, só faremos a pavimentação em cima de uma estrada que já existe".
Uma tentativa de solução, por meio de uma reunião com a presidência do Ibama, deverá ocorrer no dia 17 de abril.
— Pedimos uma audiência em Brasília para tentar resolver essa questão — confirma o prefeito de Cambará, Ivan do Amaral Borges.
Uma estrada municipal que leva ao cânion Fortaleza, no parque da Serra Geral, já está em fase final de pavimentação sem que isso tenha sido suficiente para revigorar o turismo na região. Falta completar apenas dois quilômetros de um total de 23 quilômetros de extensão. Por isso, avalia-se que é preciso achar saída para outros obstáculos, como o preço e a falta de uma melhor infraestrutura junto aos cânions (veja detalhes ao fim desta reportagem).
Uma audiência realizada com representantes da comunidade, da concessionária e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio, órgão responsável pelos parques federais) tentou encaminhar soluções para esses pontos, mas ainda não se chegou a um resultado prático. A Urbia diz aguardar por uma solução envolvendo a estrada para o Itaimbezinho e por autorizações do ICMBio para implantar novas atrações capazes de aumentar o interesse dos eventuais frequentadores e justificar o valor cobrado atualmente, como arvorismo, campings e skybikes (espécie de tirolesa feita com bicicleta). A empresa sustenta que "vem demandando celeridade na liberação de tais ações".
Procurado por GZH, o ICMBio informou que uma "revisão do Plano de Manejo dos Parques Nacionais Aparados da Serra e Serra Geral está em fase final" — o que pode facilitar a instalação de melhorias e novas atrações. A entidade observa ainda que "o valor do ingresso é determinado pelo contrato de concessão e pode ser ajustado anualmente, conforme estabelecido no contrato. A concessionária pode solicitar eventuais ajustes de reequilíbrio econômico-financeiro para análise pelo Instituto". Questionada se pretende revisar o equilíbrio financeiro do contrato firmado com a União, a Urbia respondeu apenas que "aguarda deliberações do ICMBio" para confirmar ou não essa possibilidade.
"Movimento turístico não paga a manutenção da propriedade" diz empresário
Pousadas, restaurantes e lojas de Cambará pagam o preço pela demora na definição de soluções para o baixo movimento de turistas. Proprietário da Estância Felicidade, com espaços para estadia, restaurante e uma vistosa cachoeira, Carlos Augusto Wolff já cogita fechar as portas para os visitantes e ficar apenas morando na propriedade que costumava lotar. Para Wolff, porém, a culpa pela situação não é da concessão dos parques, mas de um conjunto mais intrincado de fatores. Entre moradores e empresários do município, há visões divergentes sobre a origem da crise e a melhor saída a ser adotada.
— Não tem um ônibus que venha direto para cá. Por conta da má condição das estradas, não estamos inseridos em um roteiro mais amplo. Quem vem pra cá é porque quer vir especificamente para Cambará e depois volta para casa, não somos ponto de passagem para outros lugares. Não temos estrada pavimentada para São José dos Ausentes ou Praia Grande (SC), por exemplo. Os turistas estão optando por ir para outros lugares — avalia o empresário.
Wolff considera que a disparada no preço das passagens aéreas também castiga a região:
— No meu caso, perto de 80% dos clientes eram de fora do Estado.
A queda no fluxo de visitantes prejudica até o comércio mais focado no consumidor local, como no caso da loja de calçados e acessórios Galochas.
— Vinham muitas excursões que movimentavam restaurantes, cafés, e isso ajudava a população local que vinha comprar na nossa loja. Agora, esse movimento caiu uns 40% pelo efeito indireto — analisa a gerente Monique Hugentobler de Lima.
Monique acredita que a concessão é uma boa saída para resolver problemas anteriores como a falta de infraestrutura, mas entende que a divisão da cobrança do ingresso unitário de R$ 97 para os dois parques poderia ajudar, assim como a pavimentação da estrada para o Itaimbezinho. Ela também avalia que um cenário de incerteza provocado pela recente eleição presidencial pode ter inibido parte dos turistas.
Mas mesmo o asfaltamento não é visto como solução por todo o setor turístico de Cambará. Entre as cerca de 20 empresas de ecoturismo e turismo de aventura, há quem considere que a situação poderia até piorar.
— Mesmo quando tínhamos duas estradas ruins, a cidade vivia lotada. Com estradas melhores, deverá aumentar o número de pessoas que vão aos cânions por conta, sem contratar os nossos serviços — opina o proprietário da Rota Aparados, Dolizete Ramos Mota.
Para o empresário do setor turístico, a melhor saída seria o fracionamento do valor do ingresso para quem quer visitar apenas um dos parques, e não ambos.
Possíveis soluções para o turismo na região
Pavimentação do acesso ao Itaimbezinho
Uma das principais reivindicações da comunidade de Cambará do Sul é a pavimentação da RS-427, que faz a ligação entre o centro da cidade e a divisa com Santa Catarina, no caminho para Praia Grande (SC), e passa pela entrada do Parque Nacional de Aparados da Serra, onde fica o Itaimbezinho. Principalmente após as fortes chuvas dos últimos meses, a estrada de chão ficou em situação bastante ruim, com irregularidades e pedras soltas. Recentemente, mediante um convênio com o Daer, a prefeitura fez um trabalho de recuperação da via, mas ela ainda dificulta a passagem de veículos de menor porte. No momento, os governos estadual e federal discutem o processo de licenciamento que deve ser seguido para asfaltar todo o trecho de 23 quilômetros ou, pelo menos, parte dele. Ainda não há solução à vista.
Término da pavimentação ao cânion Fortaleza
O acesso ao cânion Fortaleza, distante 23 quilômetros do centro de Cambará, está em fase final de pavimentação — parte com asfalto e, na área do Parque Nacional da Serra Geral, com blocos de concreto. Segundo a prefeitura, falta concluir cerca de 2 quilômetros para completar o serviço na estrada municipal CS-012. Conforme GZH comprovou na manhã de terça-feira (26), o trecho final se encontrava com operários trabalhando na colocação dos blocos. A melhoria no acesso já facilita o deslocamento ao cânion (também concedido à empresa Urbia).
Rediscussão do modelo de cobrança
Hoje, a concessionária Urbia estabelece uma cobrança de R$ 97 que garante a entrada em dois parques (Aparados, onde fica o Itaimbezinho, e Serra Geral, onde está o Fortaleza), podendo acessá-los até três vezes durante um período de sete dias. Há ainda uma política de incentivo a viagens de grupos acima de 15 pessoas. Nesse caso, válido apenas para compras por meio de operadoras e agências de viagem cadastradas na concessionária, o desconto pode chegar a até 22%, dependendo da quantidade adquirida. Uma das mudanças cogitadas pela gestão municipal é a divisão do valor da entrada para cada parque — o que resultaria em uma tarifa individual de R$ 48,50. Por enquanto, a empresa não cogita publicamente essa alteração.
Revisão do equilíbrio econômico-financeiro
Outra possibilidade aventada em discussões entre prefeitura, representantes da comunidade da Cambará e outros envolvidos no impasse sobre o valor do ingresso seria uma revisão do equilíbrio econômico-financeiro de todo o projeto. Ou seja, alterar o contrato para modificar o tipo de investimento e as condições de compensação da concessionária. Uma possibilidade nesse tipo de iniciativa, por exemplo, costuma ser a estensão do prazo de concessão (30 anos, no caso dos parques nacionais envolvidos) em troca de um abatimento no valor da tarifa, ou uma diminuição no volume de investimentos previsto, com a mesma finalidade.
Melhorias na logística de Cambará do Sul
Parte do empresariado do município entende que a cidade carece de uma melhor logística — atualmente, por exemplo, o acesso desde Porto Alegre é fácil pela RS-020 ou pela Rota do Sul, por exemplo, mas a cidade costuma ser visitada apenas como destino final, e não utilizada como ponto de parada a caminho de outros lugares, o que poderia atrair mais turistas. Isso ocorre porque a ligação com municípios próximos, gaúchos ou catarinenses, é limitada pela falta de estradas melhores. O trecho da RS-020 até São José dos Ausentes, segundo o Daer/RS, "está em obras e já há uma boa frente de terraplanagem avançada. Ao longo dos próximos meses, a empresa deve começar as primeiras camadas de pavimentação". Outro ponto que poderia ser melhorado é o acesso por transporte coletivo. Hoje, é preciso fazer conexão em cidades como Caxias do Sul para viajar de ônibus até o município.
Reforço nas atrações
Há quem considere que o valor cobrado atualmente para acesso aos parques de Cambará se torna excessivo em comparação ao grau de infraestrutura e de atrações já oferecidas aos visitantes — como banheiros, tirolesa, aluguel de bicicletas e loja de conveniências. Em nota, a concessionária informa que tem previsão de "diversos projetos que requerem autorização do Poder Concedente (ICMBio) (...), como skybike, arvorismo, campings, além de passarelas e mirantes, que trarão novidades e possibilidades de contemplação e melhoria da experiência compatíveis com os melhores padrões internacionais". A empresa sustenta que vem "demandando celeridade na liberação de tais ações".