"Estou aqui para sintetizar o que aconteceu, como aconteceu e por que aconteceu esse megacrime ambiental, social e econômico." Foi assim que o professor aposentado Abel Galindo, 74 anos, abriu a sua fala em maio deste ano ao ser convidado para palestrar perante a Comissão de Relações Exteriores do Senado. A comissão buscava subsídios para entender a dimensão do risco de afundamento de parte de bairros de Maceió.
Com 50 anos de carreira, o engenheiro civil e professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) é uma das maiores referências do Estado em relação à crise, sendo constantemente procurado pela imprensa alagoana e citado frequentemente entre fontes ouvidas pela reportagem de GZH na cobertura em Maceió.
Para o especialista, não houve respeito ao cumprimento do projeto original, que previa que a exploração das cavernas de sal-gema às margens da Lagoa Mundaú não ultrapassasse um diâmetro de 60 metros. Segundo o professor, mais de 70% das minas têm, hoje, diâmetros superiores a 70 metros.
Sócio de uma empresa que elabora relatórios técnicos na área de geotecnia desde 1977, Abel Galindo diz que desde 2010 vinha sendo consultado sobre fissuras em bairros de Maceió.
A partir de que momento o senhor consegue identificar que surgem esses problemas decorrentes da exploração do sal-gema?
Comecei a estranhar em 2010 e tive certeza absoluta em 2017. E logo depois, seis meses depois, aconteceu aquele sismo né (Maceió registrou um sismo em março de 2018)?
Em 2010, o senhor ainda não tinha convicção de que era decorrente da exploração de sal-gema?
Não, eu não tinha. Achei estranho. Em 2010 eu fiz o reforço em imóveis, que depois voltaram a rachar. Eu era chamado para ver algumas casas e prédios também. Não ia adiantar, o processo estava acontecendo e eu não sabia exatamente o que era, mas comecei a desconfiar. Ali por 2016 eu já estava bem assim (desconfiado), já tinha começado a pensar mesmo no sal-gema. Mas em 2017 eu fiquei convicto.
A exploração por si só dessas minas, nessa quantidade de 35 minas, não é um problema?
Não. Só não devia nunca ser em área urbana. Não é um privilégio isso que está acontecendo em Maceió. Se você colocar na internet, teve em outros países, essas ocorrências se chamam dolinas, ou em inglês sinkhole. Se tivessem respeitado os 60 metros de diâmetro (o tamanho da área da caverna), não teria acontecido nada. Na minha opinião, aliás, 50 metros de diâmetro seria o ideal.
Quem é que permitiu essa ampliação do diâmetro de exploração das minas?
Ninguém permitiu. Foi feito escondido. A empresa que resolveu tirar mais sal do mesmo buraco.
Qual é o futuro de uma área como essa? A Braskem diz que está realizando o preenchimento dessas minas. Há uma possibilidade de estabilização e uma recuperação dessa área?
Não é só a minha opinião, mas de muitos especialistas. Por exigência da Agência Nacional de Mineração, a Braskem teve que contratar muitas empresas para estudos profundos, elas que dizem. É mais de 10 anos para estabilizar as minas, todas as 35. Tem relatórios que falam em 20 ou até 30 anos.
É possível reocupar a área como ela era antigamente?
Disseram que a Braskem iria explorar a área comercialmente, que iria vender, fazer condomínios enormes. Só que a Justiça não vai permitir. Vai ser um parque, uma floresta.
Uma vez estabilizado, feito o preenchimento das minas, o senhor vislumbra um cenário em que alguma delas possa voltar a ser explorada de novo futuramente?
Não tem como. Elas foram fechadas, a Braskem deixou de explorar em 2019. Toda a gente, a Justiça, o Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Agência Nacional de Mineração não vão permitir jamais. É uma coisa inimaginável.
Tem algum aprendizado do evento aqui em Maceió que fica como legado?
Primeiro, não se deve nunca permitir uma mineração em área urbana. Sessente mil pessoas foram tiradas de suas casas, pessoas que moravam lá há 50 ou 60 anos. Que criaram os seus netos ali. Segundo: houve negligência por parte da fiscalização. Se tivesse fiscalização mais rigorosa não deveria acontecido isso.
Veja a exposição feita pelo professor no Senado
O que diz a Braskem
A extração de sal-gema era realizada na região desde 1970. Em 2002 a operação passou a fazer parte da Braskem. Até 2018 toda as normas técnicas eram implementadas e acompanhadas regularmente pela Agência Nacional de Mineração e informadas. Em 2018 aconteceram, então, os primeiros sinais de rachadura no bairro após tremores de terra. A partir daí teve início a investigação.Segundo o vice-presidente Global de Pessoas, Marketing, Comunicação & Relações com a Imprensa da Braskem, Marcelo Arantes, foi feito um diagnóstico das 35 minas e somente nove apontavam uma necessidade de um preenchimento com areia. Nesse momento, das nove minas pactuadas de fechamento com areia e acordadas com a Agência Nacional de Mineração, cinco já se encontram fechadas, uma já se encontra pressurizada que significa fechamento também natural e três minas estavam em fase de preenchimento uma delas exatamente a mina 18 que não estava na lista inicial de proridade. Conforme Marcelo, a empresa seguiu claramente o cronograma acordado com as autoridades que tava dentro do plano de fechamento de minas.
Ainda de acordo com o diretor da Braskem, qualquer extração que é feita em qualquer localidade, tem que ter uma autorização das agências reguladoras. Marcelo diz que foram aplicadas todas as técnicas pela Braskem durante todo o período de extração respeitando as normas das agências regulamentadoras que acompanhavam as extrações.
Nesta terça-feira (5), em entrevista ao Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, Marcelo Arantes disse que todo o plano de fechamento das minas foi pactuado e acordado com a ANM e todo o plano fechamento de minas é enviado regularmente para a ANM.
— Nós não temos formalmente nenhuma coisa da ANM que fala que nós não cumprimos o cronograma. A Braskem seguiu claramente o plano de fechamento de minas, inclusive com todo o trabalho feito e acompanhado pela ANM.
Sobre o futuro da área, Marcelo diz que o principal objetivo foi realocar os moradores, segundo estabilizar o solo e o terceiro a demolição dos bairros.
— O nosso compromisso agora é estabilizar e proteger essa área e não há nenhuma previsibilidade de fazer qualquer edificação nessa região, nada relacionado a exploração comercial. Existe um acordo assinado que com o Ministério Público Federal que estabelece o que deverá ser feito no futuro dessa área de acordo com o plano diretor estabelecido pelo município e uma série de negociações com autoridades.