Com chuva, vento e a água do Rio Taquari subindo, arrastando casas, árvores e postes, pouca gente se arriscava fora de um abrigo ou local seguro no noite de segunda-feira (4), em Roca Sales. Em um caiaque, o montador de móveis Marcos Saldanha, 42 anos, tomou coragem e saiu para buscar o irmão Dionathan Saldanha, 32, na região central do município. Acabou no topo de uma árvore com mais de 30 metros de altura:
— Durante a tempestade, o caiaque virou. Subimos em uma árvore. Não tinha mais para onde ir.
Eram 23h e a água subia sem parar. Ventava e as horas avançavam. Começou um chuvisqueiro, veio o frio. E os irmãos lá no alto, no escuro e à espera de um milagre.
— Vi muitas casas passando por nós, batendo na árvore e seguindo adiante — recordava-se, na tarde desta quarta-feira (6), cercado por familiares.
Apesar da situação extrema, Saldanha não pensou na morte naqueles momentos. Não pensou em nada. Deu as mãos para um único sentimento: o desespero.
— Só vi coisas assim em filmes de cinema — reflete.
Após a escuridão, chegou um novo dia. Um conhecido passou em um barco perto da árvore e olhou para o alto. Lá estavam os irmãos agarrados nos galhos. A vida era maior do que tudo. Não foram arrastados pela água.
Antes de ser salva, a dupla ficou cerca de sete horas e meia pendurada sem saber o que seria deles. Apesar de tudo, estão bem.
Casa destruída e mudança à vista
Nesta tarde, Saldanha assava uma carne em um tonel improvisado a céu aberto onde antes ficava a sua garagem, destruída pela força da água. A casa, pouco atrás, está por um fio. Deve desabar a qualquer momento. A perda foi total lá dentro.
Questionado sobre os próximos passos dele, da mãe, Cleonice Almeida, e do padrasto, Ivanor de Souza, parou por um instante e pensou antes de responder. Todos moravam ali, menos o irmão.
— Vou me mudar para Encantado, onde já trabalho — projetou.
Ele diz que tem fé e acredita em Deus. Mas que naquela noite houve muito mais. Uma vontade de viver. E de vencer a morte.
Acostumado a trabalhar com móveis feitos da madeira das árvores, foi salvo por uma. Não sabe qual era, se um jacarandá ou alguma outra. Mas jamais vai esquecer quando esteve no topo de sua copa, agarrado aos galhos e vendo as casas desfilarem à sua frente.