Nas cidades mais afetadas pelas recentes inundações no Rio Grande do Sul, o temor das administrações municipais não se resume ao volume de chuva. Passado o pior momento da tragédia, o receio em Muçum e Roca Sales é de que a gravidade da enxurrada ocorrida no começo de setembro provoque a debandada de moradores e de negócios em busca de cidades menos sujeitas aos efeitos do mau tempo.
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— Isso preocupa, sim. Tanto a saída de pessoas como a de algumas empresas. Teremos de trabalhar intensamente e, por esse motivo, pedimos ao governo do Estado e ao federal: não nos abandonem. Não deixem que essas saídas se tornem uma realidade e gerem, a médio e longo prazo, um outro caos econômico e social nas cidades que já foram devastadas pela enchente — desabafa o prefeito de Muçum, Mateus Trojan, defendendo que sejam aplicados recursos a fundo perdido para estimular a permanência na região.
Antigo morador de Roca Sales, o soldado da Brigada Militar Adelar Roque dos Santos, 43 anos, já se mudou para a casa de um irmão em Teutônia e não tem planos de voltar a viver no antigo endereço. No imóvel de dois andares, o piso térreo de alvenaria estava alugado para uma igreja. No andar superior, moravam Santos e os pais.
Na mesma noite da enchente, perdeu o pai, que estava internado no hospital do município, por causas naturais, a casa foi parcialmente destruída, e o bar da família localizado no terreno ao lado acabou levado pela água. Conseguiu salvar a mãe, com ajuda do barco de um vizinho, já tarde da noite. O térreo foi tomado de lama, e o segundo piso perdeu quase todas as paredes externas — golpeadas por pedaços de outras moradias arrastadas pela correnteza.
— Não vale a pena reconstruir. Já passamos por umas 20 enchentes aqui, embora nenhuma como essa. Tudo o que construímos foi levado — lamenta o soldado.
Mas também há quem tenha decidido dobrar a aposta na região mesmo depois do desastre. Proprietário de uma clínica de fisioterapia e estúdio de Pilates na vizinha Muçum, Daniel Dal Molin, 48 anos, vai não somente reconstruir o imóvel como ampliar o negócio localizado próximo às margens do Taquari e incluir outras especialidades ligadas a saúde e bem-estar. Para isso, vai investir entre R$ 100 mil a R$ 140 mil.
— Construí aqui para a vida toda. Já tivemos muitas outras enchentes, mas nenhuma havia chegado até aqui. Não creio que vá se repetir tão cedo. Pretendo fazer desse limão uma limonada e ajudar a cidade a se reerguer — afirma Dal Molin.
Rosa Machado de Souza, 52 anos, também decidiu manter as raízes em Muçum, onde mora em uma casa ao lado dos pais. Na segunda-feira (18), recolocavam para dentro de casa os móveis e eletrodomésticos que conseguiram salvar.
— Havia terminado de reformar a minha casa no sábado, por conta do granizo que havia atingido a cidade anteriormente, e na segunda veio a enchente. Vamos seguir aqui porque é onde construímos a nossa vida. Por enquanto, ficaremos. No futuro, não sabemos — diz Rosa.