Ao longo das últimas semanas, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH-UFRGS) e a Universidade do Vale do Taquari (Univates) se uniram para mapear as áreas urbanas inundadas na cheia do Rio Taquari-Antas. O trabalho é realizado desde o início de setembro, quando começaram os eventos climáticos extremos, e deve contribuir para identificar as regiões com risco potencial de ocorrências futuras.
Um grupo de pesquisadores de ambas as universidades desenvolve o projeto, que conta com a ajuda dos próprios moradores das regiões afetadas pela tragédia. Em breve, será lançado o Mapa Cidadão, produzido a partir de informações enviadas por habitantes do Vale do Taquari, cruzadas com dados mapeados pelo grupo de pesquisa.
O objetivo é promover a prática da ciência colaborativa com a população local, permitindo que a comunidade auxilie na compilação de informações sobre as áreas que a cheia atingiu. Posteriormente, esses dados serão utilizados para embasar estudos científicos.
Uma das líderes da iniciativa é Sofia Royer Moraes, professora dos cursos de graduação em Engenharia na Univates e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da UFRGS (PPGRHSA).
— Percebemos que não íamos dar conta do trabalho fazendo tudo isso só com a nossa equipe. Com tanta tecnologia disponível, pensamos em trazer essa participação popular, para garantir um sentimento de pertencimento da população nesse processo científico — explica a pesquisadora.
Como é feito o levantamento
Até o momento, foram mapeadas as cidades de Santa Tereza, Muçum, Encantado, Roca Sales, Lajeado e Estrela. As informações foram publicadas em nota técnica no site do Grupo de Pesquisa de Hidrologia de Grande Escala, da UFRGS. O conteúdo também traz figuras representando as manchas de inundação nos mapas de cada município.
A ideia é validar essas imagens e incluir mais pontos, de acordo com as informações enviadas pela população. O mapeamento será feito também nas outras cidades atingidas pela chuva, como Taquari, General Câmara, Venâncio Aires e Bom Retiro.
O processo ocorre em três etapas:
- A equipe faz o reconhecimento em campo em parte das áreas afetadas.
- Os especialistas em hidrologia analisam visualmente imagens de satélite das regiões.
- Os dados são cruzados com informações topográficas e modelos digitais já existentes.
— Estamos em campo desde o início de setembro, levantando as informações com instrumentos topográficos de precisão para ver onde chegou o nível da água — diz a pesquisadora.
População contribui
O morador das regiões afetadas fornece informações sobre locais e o nível que a água atingiu. Para isso, é possível fazer contato por WhatsApp (51-3308-8180), criado exclusivamente para esse fim.
— Quem mora nessas áreas geralmente conhece bem o local e sabe que a água chegou até a casa de algum vizinho, ou conhece alguém que saiba. Em outros casos, a pessoa pode saber de uma marca que tenha ficado na casa ou na rua. Uma vez que ela compartilhar pelo WhatsApp, esse ponto fica salvo pra gente, e podemos pegar esse endereço, vetorizar e criar um ponto no sistema de mapeamento — destaca Moraes.
É com base nisso que será feito o mapa, indicando as manchas de inundação com mais precisão. O conteúdo será disponibilizado nos sites da Univates, do IPH-UFRGS e do Programa de Pós-Graduação em Sensoriamento Remoto (PPGSR) da UFRGS.
Instruções compartilhadas com a comunidade pelo grupo de pesquisa
1 – Caminhe com o celular pela rua ou terreno aberto até o local em que você sabe que foi o limite da inundação.
2 – Abra o WhatsApp na conversa com o Mapa Cidadão.
3 – Clique no clips e escolha "localização".
4 – Escolha "Localização Atual".
5 – Pronto! Você contribuiu para o Mapa Cidadão!
Participação comunitária e memória
O projeto busca trazer o caráter de ciência comunitária, garantindo a participação da população nessa iniciativa, que é importante para os próprios moradores dessas regiões.
— Queremos esse viés colaborativo, para que todos que conhecem a região possam contribuir. Trazendo esse apoio, a gente aumenta o volume de dados para análise, o que pode melhorar a validação das nossas pesquisas e as modelagens que vão embasar outros estudos — salienta Moraes.
O Rio Taquari é conectado ao Rio das Antas e recebe água de diversos afluentes vindos das regiões mais altas, do Norte e da Serra. O Vale do Taquari é uma área baixa da bacia hidrográfica do Taquari-Antas. Só a área de drenagem do rio Taquari tem cerca de 22,4 mil quilômetros quadrados, nos quais pode chover.
A água dessa chuva converge, naturalmente, para um mesmo ponto – o rio Taquari. Em termos de estatística, os registros históricos indicam que a região enfrentou uma inundação a cada 1,5 anos nas últimas sete décadas. A cheia registrada em setembro, que ainda não chegou ao ponto de estabilidade, foi a segunda maior da história do rio.
Os níveis do atual fenômeno ficaram apenas 47 centímetros abaixo da maior enchente do Rio Taquari, que foi em 1941, quando as águas atingiram a marca de 29,92 metros. O terceiro evento mais grave aconteceu em 1873. Na ocasião, o rio atingiu o patamar de 28,97 metros.
Nem sempre a cheia causa inundação, que se dá quando a água ultrapassa os limites das calhas do rio em questão e inunda os pontos às suas margens, podendo invadir até áreas urbanas, como aconteceu no evento mais recente. Mas é preciso conhecer os riscos e levar essas informações à população, para além da gestão pública, argumenta Moraes.
— Estamos trabalhando com a cultura de prevenção. Isso inclui o envolvimento das pessoas, elas precisam saber que vivem em áreas que são potenciais leitos de inundação, temos que manter essa memória. Foram 82 anos desde a última inundação, e ao longo dos anos a população vai se esquecendo dos eventos históricos. Isso não pode acontecer — defende a professora.