A chuva das últimas semanas no Rio Grande do Sul foi tão avassaladora que, além de fazer transbordar o Rio Taquari e matar dezenas de gaúchos, deverá redesenhar as cidades mais atingidas pelas inundações.
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Erguidos à margem da água, mas traumatizados pela enxurrada, os municípios de Muçum e Roca Sales já se preparam para o desafio de inverter a direção do seu crescimento urbano, se afastar do leito do rio e subir em direção aos morros. De forma emergencial, as prefeituras estimam que pelo menos 11% dos imóveis em Muçum e 4% em Roca Sales precisam ser transferidos para pontos mais altos por terem sido danificados ou ficarem em pontos de perigo extremo.
Como especialistas em urbanismo não consideram viável realocar cidades inteiras, afirmam que será preciso adotar um novo modelo de gestão do solo que desestimule a concentração de moradores nas zonas suscetíveis a cheias e favoreça a ocupação de espaços mais elevados, ainda que distantes. Para isso, é necessário implantar ou atualizar os planos diretores e o mapeamento de áreas de risco — em um exemplo a ser seguido por outras cidades gaúchas expostas a intempéries.
Como muitas localidades Brasil afora, os dois municípios no epicentro da tragédia, onde morreram 28 das 49 vítimas registradas até sexta-feira (22), cresceram margeando seu rio. Historicamente, os grandes cursos de água favorecem o nascimento e o desenvolvimento de cidades nos seus arredores por razões logísticas. A ocorrência de grandes cheias em 2020 e, principalmente, neste mês, força uma mudança histórica no perfil de desenvolvimento no Vale do Taquari.
— Vamos ter de fazer uma ação gradativa de subir os morros e de aproveitar toda a área extensa que temos, para cima desses morros, para constituir novos espaços e começar a fazer a expansão da cidade para esse lado — afirma o prefeito de Muçum, Mateus Trojan.
A mesma estratégia já é debatida na vizinha Roca Sales.
— A necessidade de buscar novos terrenos, mais altos, já vem sendo discutida pelo nosso pessoal da engenharia, do planejamento, por engenheiros que estão na cidade prestando trabalho voluntário, além de representantes do Estado e da União. O município é muito extenso, e temos áreas que poderiam ser utilizadas que não ficam tão longe do centro e já estão urbanizadas — afirma o secretário de Administração de Roca Sales, Silvinho Zart, citando bairros de maior altitude como Pôr do Sol, 21 de Abril e 7 de Setembro.
Nesse processo, devem ser aproveitadas inicialmente regiões que já contam com infraestrutura urbana, mas ainda têm espaços vazios e, em médio e longo prazo, locais onde será preciso ampliar redes de água, luz e saneamento.
— Em novos locais que estamos procurando (para futuros loteamentos), teremos de construir a infraestrutura do zero, iluminação, água, esgoto, pavimentação. Estamos buscando caminhos para viabilizar isso, o que inclui parcerias com a iniciativa privada para atender pelo menos uma parte da demanda — complementa o prefeito de Muçum.
Em Encantado, a cheia fez uma vítima e inviabilizou pelo menos 605 moradias, conforme levantamento do governo estadual — 6,7% dos domicílios particulares permanentes levantados no Censo 2022. A prefeitura prevê inicialmente a construção de três blocos de prédios de quatro andares, com quatro apartamentos por andar, na parte mais alta do bairro Navegantes. Em um segundo momento, a intenção é reaver uma área doada à União no bairro São José, também em plano mais elevado, para receber novas residências.
— São locais seguros, onde já existem outras casas nas proximidades. Além disso, vamos criar uma comissão com representantes dos setores público e privado para realizar estudos que permitam atualizar o nosso plano diretor — afirma o prefeito de Encantado, Jonas Calvi.