A diretora Rosane Inês Volken, de 59 anos, embargou a voz em mais de três oportunidades enquanto olhava o trabalho de limpeza e reconstrução do Colégio Scalabriniano São José, localizado na área central de Roca Sales, no Vale do Taquari. Na segunda-feira da semana passada, a instituição de ensino, que existe desde 1931 e atende atualmente 540 alunos, foi invadida pela fúria do Rio Taquari.
— Nossa biblioteca foi totalmente destruída. Não sobrou um único livro — conta a diretora, que acompanhava o trabalho de voluntários no final da tarde de quinta-feira (14), enquanto o sol se punha, mas ninguém queria arredar o pé do colégio.
O prédio tem quatro pavimentos, sendo que o térreo e o piso inferior ficaram cheios de água. As marcas nas paredes indicam em torno de três metros de altura. E de lama. Muita. Foram necessárias até agora cem caçambas de caminhões para recolher o lixo.
Transitar pelas salas do colégio, que atende do berçário até o Ensino Médio, é perceber que a água foi impiedosa. Arrastou tudo o que podia.
— Tudo o que havia no primeiro andar foi destruído, móveis, biblioteca, jogos pedagógicos, brinquedos e documentos — enumera Rosane.
No dia em que o rio transbordou, as crianças acabaram liberadas no meio da tarde. Depois os móveis foram erguidos e os computadores transferidos para o piso superior.
Rio Taquari invade a cidade
Em torno das 19h, a diretora deixou o colégio. Uma hora depois, porém, estava de volta ao lado do marido Arly para tentar salvar documentos e equipamentos. Às 23h30min, a água já tocava em seus joelhos. Era hora de escapar da morte. E foram para casa.
Durante a madrugada do dia 4 de setembro o rio adentrou em praticamente todo o município. Derrubou casas, árvores, postes e deixou carros de cabeça para baixo. No colégio, inundou o piso inferior e o térreo, chamado pela diretora de primeiro andar. Também houve estragos no pátio e no ginásio esportivo. Apenas o trabalho de colocar coisas no lixo levou dois dias.
Poucos dias depois, Rosane foi conferir o que havia sobrado. Então, começou a chegar gente de todo lugar. Eram professores, irmãs da congregação, amigos, conhecidos e voluntários. Muitos deles vindos de localidades distantes.
— Seguramente, perto de 400 pessoas nos ajudaram — estima a diretora.
Mas havia ainda mais pessoas dispostas a não deixar o colégio abandonado. Chegaram docentes da rede de Guaporé e de Anta Gorda, além de profissionais do Hospital Mãe de Deus de Porto Alegre. Quem chegava, não escolhia o que fazer. Colocava a mão na massa, ou melhor, no barro.
— Queremos voltar a dar vida para nossa cidade. As crianças precisam da escola — reflete a diretora, ela própria uma ex-aluna dali.
Na quinta-feira, a argamassa para refazer o piso estava sendo preparada. O novo mobiliário foi comprado e a reabertura dos portões já tem até data: 25 de setembro.
Rede de solidariedade
Tudo isso com o auxílio de voluntários, o que se percebe em outros bairros de Roca Sales. Eles são anônimos, vieram de longe e até tiraram férias do trabalho para se dirigirem para o município do Vale do Taquari.
— Tenho uma filha de sete anos e contei para a minha esposa, que é funcionária pública em Porto Alegre, que ver pela televisão é uma coisa. Estar aqui é outra — explica o vendedor Mateus Dorigatti, 38.
Ele chegou a pedir dois dias de folga no trabalho para poder se dedicar integralmente ao voluntariado em Roca Sales. Não sabia onde jantaria ou dormiria na quinta-feira. Talvez dentro do próprio carro.
Ao lado dele, o trainee de inteligência emocional Eduardo Fonseca, 34, chegou na cidade para um bate-volta de 24 horas. Um dia que vale muito para quem recebe apoio dele e de inúmeras outras pessoas.
— Duas coisas me chamaram a atenção aqui: todos estão com um sorriso no rosto e foi um milagre não ter tido um número de óbitos maior — compartilha ele, que antes parou para ajudar em Lajeado e Encantado.
A diretora abraça os dois e diz que não sabe de onde vieram tantos voluntários. Se o rio despedaçou tantas famílias, a união das pessoas tratou de juntar os pedaços.
— Nossa cidade tinha mais voluntários do que moradores — conclui ela, com os olhos marejados novamente.
O colégio foi resgatado do lamaçal e da desesperança.