A tarde de quinta-feira (14) foi ensolarada e quente em Roca Sales, no Vale do Taquari. Pelas ruas, os habitantes, ainda de galochas nos pés, ostentavam baldes, escovas, vassouras, ferramentas e muita determinação.
Com o Rio Taquari, cuja cheia na semana passada destruiu parte do município, de volta ao leito, o município começa uma nova etapa: erguer tudo do zero, tijolo sobre tijolo. Em alguns terrenos, não restaram nem vestígios das casas.
A população coloca diante das residências móveis, colchões, eletrodomésticos, roupas e brinquedos, como bonecas e ursos de pelúcia, para que sequem ao sol. Tudo perdeu a cor em meio à lama. Alguns tentam limpar um ou outro objeto. Mas as marcas insistem em não sair, mantendo vivo na memória o recente e inacreditável dia em que o rio transformou o município em ruínas.
Na Rua 31 de Março, o aposentado Luiz Arthur Schneider, 58 anos, recolhe entulhos da casa de três pisos, que teve a parte da frente, de madeira, bastante avariada e foi destelhada. A esposa, Rosely Terezinha Schneider, 57, ajuda o marido. E ambos sorriem.
— Não sobrou nada dentro de casa. Não sei ainda se vamos derrubar a parte de madeira — conta Luiz.
O casal não residia na casa danificada. Enquanto enchentes causavam estragos em diversas regiões do RS, Luiz e Rosely estavam na Linha Marechal Deodoro, no interior de Roca Sales, onde moram há dois anos. Lá, a tragédia não chegou.
Quando as águas do Rio Taquari subiram na segunda-feira da semana passada, havia um casal de inquilinos com o filho na residência. Luiz e a esposa fizeram contato e os orientaram a abandonar o local. E assim foi feito. Todos se salvaram.
— Não vimos como tudo aconteceu. Mas os vizinhos disseram que a água subia três metros por hora — recorda Rosely, que atua como pequena empresária.
E a água subiu muito na casa, a estimados sete metros e meio. Chegou ao terceiro piso, onde há um terraço. O casal, que viveu por 40 anos nesta casa, lembra que, lá do alto, costumava ver os fogos de artifício no Réveillon.
— As cinco casas vizinhas foram prensadas contra a minha. Não restou nada delas — mostra Schneider.
Onde havia moradias, agora há pedaços de concreto, madeira e entulhos. A situação neste ponto foi agravada porque aos fundos das casas passa um arroio. A água se elevou ali e contribuiu para a destruição nesse trecho da rua.
Questionada sobre a próxima etapa, se será demolir a parte de madeira da frente da casa ou trocar o telhado, Rosely para e reflete:
— Estamos esperando ajuda dos governos estadual e federal. Vamos tirar ajuda de onde?
Para ela, a destruição de dias atrás foi tanta que não parece que poderia ser causada pela água.
— Foi como se tivessem largado uma bomba aqui — compara.
Muita gente em Roca Sales compartilha a mesma percepção. Uma bomba. E das grandes.
Mas a vida segue na cidade. Pessoas conversam com vizinhos, estendem a mão e tentam confortar quem perdeu bens ou até viu as águas levarem para sempre a vida de parentes.
— Estamos vendo muita ajuda dos voluntários. É uma coisa incrível — atesta Rosely, com um sorriso no rosto e a certeza de dias melhores.
O mesmo sorriso exibe o pedreiro Marcelo Schneider, 47, vizinho do casal. Apesar do mesmo sobrenome, não é parente de Rosely e Luiz Arthur. Com um lava-jato, ele limpa o que é possível.
— Sou pedreiro e perdi todas minhas ferramentas — lamenta Marcelo, que vive há 20 anos no local.
Para escapar da fúria do rio, o pedreiro deixou a casa e correu em direção a um vizinho, em uma parte alta da rua.
— Tinha gente pedindo socorro em cima dos telhados — recorda.
Indagado sobre qual é a prioridade agora, ele diz:
— Primeiro é arrumar ferramentas para retomar o meu ganha-pão.
Enquanto não pode voltar para casa, ele dorme em uma marcenaria. Apesar das perdas, Marcelo não desanima. Diante da dificuldade, reage com esperança.