Longe da reserva no meio da Amazônia, onde a alta de casos de desnutrição e malária fez o governo federal decretar emergência de saúde, indígenas yanomami que migram para Boa Vista, capital de Roraima, sofrem com a falta de apoio. Uma parte deles virou moradora de rua no município, tornando-se alvo de violência e preconceito. Sem falar português, muitos têm dificuldade para se manter e até para acessar auxílios do governo.
Um dos pontos de aglomeração de indígenas em Boa Vista é a área que fica sob o viaduto Peri Lago, no centro da cidade, que já sofre a pressão de outro fluxo migratório ainda maior, o de venezuelanos.
— Morar na rua é ruim, mas não posso voltar para a comunidade, pois fui expulso — diz Cauã Sanomã, de um dos subgrupos yanomami que estão vivendo na capital.
Segundo ele, muitas tribos diferentes migraram para sua comunidade, a mais de 200 quilômetros dali, o que provocou conflitos. Por trás desse processo, está ainda a invasão de garimpeiros na terra indígena.
— Também não tem local para os yanomami em Boa Vista. Aqui nos trazem comida e trocamos por bebida — contou, com a ajuda de um intérprete.
No dia anterior, outro grupo de três jovens, entre 20 e 25 anos, além de um adolescente, dormia embrulhado em redes que foram transformadas em lençóis. Um deles, com o pouco que falava de português, explicou que é do grupo Yauari da comunidade Xexena. Eles chegaram a ser levados de volta para seu território, mas voltaram todos a pé, fugindo das condições precárias da reserva.
— O acompanhamento desses indígenas é feito pela Associação Hutukara yanomami e pelo Conselho Indígena de Roraima, mas não temos casa de apoio, nem abrigo ou local para eles. Lá (na terra indígena) são vários povos e brigam entre si. Mas aqui na cidade tem muito preconceito e eles não estão seguros em nenhum lugar — diz Nonato Cavalcante, voluntário que ajuda grupos indígenas em órgãos públicos.
Outro agravante é a presença crescente de garimpeiros na reserva. Estima-se que haja cerca de 20 mil, uma invasão que ameaça a saúde dos indígenas, uma vez que o mercúrio usado contamina os rios e o barulho das máquinas afugenta a caça.
Contudo, pouco habituados ao ambiente urbano, os yanomami já foram vítimas de pelo menos 10 acidentes no trecho que liga a área com a BR-174 (Manaus-Boa Vista), de acordo com a Hutukara. Em novembro, a jovem Ana yanomami foi morta a tiros no local. Ninguém foi preso, e a polícia diz ainda investigar o crime.
A prefeitura de Boa Vista também já informou que em 2022 foram realizadas 703 internações de indígenas yanomami no Hospital da Criança Santo Antônio. Atualmente, dos 62 hospitalizados, 46 são crianças.
— Não é o Estado que é responsável. É muito difícil fazer o controle — afirmou o governador Antonio Denarium (PP).
O Ministério da Saúde já enviou equipes médicas para Boa Vista e para a terra indígena, além de ter montado um hospital de campanha.