A liderança Yanomami Dário Kopenawa, filho do xamã e intelectual Davi Kopenawa, descreve um cenário dramático sobre as comunidades do seu povo, que ocupa o maior território indígena do Brasil, na Amazônia. Segundo ele, é visível o recente aumento nas mortes infantis por desnutrição e malária, além da falta de remédios. O Ministério dos Povos Indígenas estima que quase cem crianças morreram na região em 2022.
— Somos abandonados. Já alertamos há muitos anos sobre essa crise humanitária e de saúde. As crianças então desnutridas de malária, diarreia e verme, porque o governo federal abandonou a população Yanomami — afirmou.
Na sexta-feira (20), o governo federal declarou emergência em saúde na área Yanomami, com envio de mais equipes médicas e alimentos. Levantamento feito pelo ministério apontou três mortes de crianças indígenas nas comunidades Keta, Kuniama e Lajahu entre 24 e 27 de dezembro. E, em 2022, foram registrados 11.530 casos confirmados de malária no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y).
Dário Kopenawa é vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, que representa cerca de 30 mil Yanomamis e Yekuana em dois Estados, Roraima e Amazonas, e declarou em entrevista que tentou pedir ajuda, mas não foi atendido. O líder também criticou a gestão nos últimos anos do DSEI-Y, coordenado pelo Ministério da Saúde.
A gestão do DSEI-Y foi alvo, pelo Ministério Público Federal (MPF), de suspeitas de desvio no uso de verba pública para a compra de medicamentos. A suspeita era de que só 30% de mais de 90 tipos de medicamentos fornecidos por uma das empresas contratadas pelo distrito teriam sido devidamente entregues.
— É uma dificuldade muito grande para o abastecimento de medicamentos e profissionais para tratar malária, diarreia, fome, vermes e outras doenças. Não tem medicamentos nem profissionais para dar assistência. Não tem visita domiciliar. Os profissionais não estão visitando as comunidades e as áreas — revelou Dário.
Garimpo
E a crise na saúde não é o único problema da reserva Yanomami. O avanço da mineração, proibida em áreas indígenas, é outra ameaça crescente.
— Temos vários problemas: de aumento de garimpos ilegais e de contaminação dos rios de mercúrio. Também o crescimento de crimes ambientais. Isso agravou bastante a situação da população Yanomami — emendou o líder indígena.
O garimpo em terras indígenas aumentou 495% entre 1985 e 2020, segundo levantamento do MapBiomas, iniciativa que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia. Segundo Dário, a gestão Jair Bolsonaro (PL) enfraqueceu os órgãos de apoio aos indígenas e defendeu a liberação do garimpo nos territórios desses povos.
— O governo anterior priorizou as invasões e o crescimento de garimpo na terra Yanomami e isso piorou a situação do nosso povo — completou.
Em visita a Boa Vista no sábado (21), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu acabar com o garimpo ilegal nas áreas indígenas, embora não tenha dado detalhes dos seus planos. Ele também reconheceu a dificuldade de combater a mineração irregular.
O governo federal promete o envio de mais equipes médicas ao território Yanomami, o que inclui a possibilidade de acelerar um novo edital do programa Mais Médicos voltado para os distritos sanitários indígenas. Outra medida é ampliar a capacidade da pista de pouso local, de forma a facilitar os deslocamentos.
A reportagem tentou contato com o ex-ministro da Saúde da gestão Bolsonaro, Marcelo Queiroga, mas não obteve retorno.