Em novembro do ano passado, órgãos ambientais no Rio Grande do Sul revelaram uma ação ilegal ao prender 14 caçadores na região metropolitana de Porto Alegre que mantinham grupos e lojas virtuais para comercializar animais. Mais de 200 pássaros em condições precárias, vendidos por até R$ 2,5 mil, foram resgatados. Seis meses depois, em maio deste ano, mais uma ação trouxe à tona não só a ilegalidade, mas a crueldade.
Um grupo que vendia irregularmente armas de caça em grupos fechados na internet também era investigado por maus-tratos. Um vídeo apreendido pela polícia durante as investigações mostrou que os criminosos tinham a prática de atirar em animais apenas para causar ferimentos iniciais e, depois, atiçavam cães para matar as presas, principalmente, capivaras. Sete suspeitos foram detidos em 12 cidades gaúchas. Esses fatos puderam ser coibidos porque as autoridades do Estado ligadas à área ambiental apostaram na integração para manter as operações durante a pandemia.
Apesar de conseguir participar de pelo menos uma das principais investidas em conjunto contra o meio ambiente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) teve alguns problemas estruturais desde 2020 e metade das suas ações próprias não foi realizada no primeiro ano do distanciamento social. Isso ocorreu mesmo com a fiscalização sendo considerada uma atividade essencial — sem poder ser interrompida pelo fato de envolver danos à natureza e, dessa forma, a toda a sociedade.
Muitas operações a gente teve que cancelar porque a maioria dos fiscais do Ibama no Rio Grande do Sul estava com mais de 50 anos ou (tinha) comorbidades
CLAUDIA PEREIRA DA COSTA
Superintendente do Ibama/RS
No Ibama/RS, de acordo com determinações da União, a diminuição das ações está ligada ao fato de que colaboradores com idade mais avançada e que estavam no grupo de risco do coronavírus deveriam ser afastados das atividades presenciais. As informações são da superintendente do órgão no Estado, Claudia Pereira da Costa.
— Muitas operações a gente teve que cancelar porque a maioria dos fiscais do Ibama no Rio Grande do Sul estava com mais de 50 anos ou (tinha) comorbidades. Então, a gente fazia operações remotamente. Em análise de julgamento de auto, andou normal — relata.
Como medida preventiva adotada na época, as operações nos Estados do Sul foram reduzidas em 50% em 2020, segundo Claudia. Já em 2021, o Ibama afirma que as ações foram executadas de forma híbrida (presenciais e remotas), atingindo o que foi programado. Os números de fiscais e de ações nos últimos três anos não foram divulgados pela autarquia.
Para a especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima Suely Araújo, que foi presidente do Ibama de 2016 a 2018, o problema no quadro de funcionários do instituto vai além do que aconteceu na pandemia.
— A fiscalização está com uma equipe mais envelhecida do que poderia estar, e o concurso público que eles estão fazendo não vai adiantar porque é um número totalmente insuficiente não só para fiscalização, mas também para todas as áreas. Não dá para trabalhar porque metade do órgão já se aposentou e não teve substituição — diz Suely.
A fiscalização está com uma equipe mais envelhecida do que poderia estar, e o concurso público que eles estão fazendo não vai adiantar porque é um número totalmente insuficiente não só para fiscalização, mas também para todas as áreas
SUELY ARAÚJO
Especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima
Sobre o novo concurso público, com nomeação autorizada no meio deste ano, a ex-presidente do Ibama afirma que a demanda foi concentrada em técnicos de nível médio (432 das 568 vagas). Ela avalia que o necessário para as fiscalizações seriam novos integrantes com curso superior para lidar com serviços mais complexos, que envolvem imagens de satélite e cruzamento de dados públicos.
Questionado sobre o que seria preciso para fazer uma fiscalização eficaz, o especialista em análise de impactos ambientais Francisco Milanez, da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), avalia que o trabalho poderia ser realizado, desde que fossem disponibilizadas as ferramentas adequadas.
— Não precisa um monte de fiscal, precisa de um processo inteligente de fiscalização que não possa ser corrompido e que seja controlado por uma ouvidoria. De uma forma geral, o problema é esse, é a ineficácia por não ter apoio, por não botar criatividade, não dialogar com a sociedade — destaca.
O planejamento operacional da fiscalização do Ibama é feito com base no Plano Nacional Anual de Proteção Ambiental, mas também ocorrem operações extras, conforme a demanda. No Rio Grande do Sul, os crimes contra a flora e fauna são os mais registrados.
Como atuam os órgãos ambientais do Estado
Há quatro órgãos gaúchos que atuam diretamente na prevenção e no controle do meio ambiente em nível estadual, mas há conexão com outros poderes na chamada rede de proteção ambiental. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) tem vínculo com a Fundação de Proteção Ambiental (Fepam). Ambas atuam com o Comando Ambiental da Brigada Militar (CABM) e a Delegacia de Meio Ambiente (Dema) da Polícia Civil. Nesta última instituição, ainda há ações pontuais de várias delegacias e a Sema também faz parceria com municípios.
Outra entidade envolvida na fiscalização é o Ministério Público (MP), que apoia os órgãos estaduais no prosseguimento de diversas investigações e também com recursos financeiros, principalmente para a Sema e para a Fepam.
A secretária estadual do Meio Ambiente, Marjorie Kauffmann, atribui ao trabalho integrado com vários órgãos o motivo para a pasta ter conseguido seguir realizando operações em meio ao distanciamento social.
— Foi dessa forma, com tecnologia, com inteligência, com gestão e, principalmente, com parceria desses entes todos que nós conseguimos também, durante toda a pandemia, manter e qualificar todos os nossos procedimentos de licenciamento ou de fiscalização ambiental. Mantemos a meta de redução de tempo de licenciamento e a eficácia por meio da tecnologia para garantir vistorias , como o uso de drones e evitando deslocamentos de analistas — explica.
Para o major Samorani Teixeira Zappe, do CABM, foi possível aumentar as fiscalizações mesmo com as incertezas que vieram com a pandemia.
— Foi graças a uma atividade direcionada para a operacionalidade, usando ferramentas de gestão, otimizando os recursos humanos e também a utilização dos recursos materiais, bem como estratégias de atividades em conjunto com outros órgãos, quer seja estaduais ou até federais. A soma de todo esforço dessas entidades proporcionou que a gente tivesse um volume maior de operações — relata.