O processo que apura as responsabilidades pela morte de 242 pessoas na boate Kiss em janeiro de 2013 deu mais um passo no Judiciário. Advogados dos réus receberam a informação por meio do sistema eletrônico do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) da abertura do prazo para apresentação das razões de apelação. O prazo para protocolar o recurso é de oito dias, e começa a contar a partir da abertura da intimação pelos defensores ou quando o próprio sistema abrir automaticamente esse período.
Em 10 de dezembro de 2021, num julgamento histórico, o mais longo ocorrido no Rio Grande do Sul – 10 dias –, o juiz Orlando Faccini Neto, da 1ª Vara do Júri, após decisão dos jurados pela condenação dos réus por homicídio com dolo eventual, proferiu a sentença, estabelecendo as penas. Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, sócio da Kiss, foi condenado a 22 anos e seis meses de prisão em regime fechado; Mauro Hoffmann, sócio da Kiss, a 19 anos e seis meses de prisão em regime fechado; Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, a 18 anos de prisão em regime fechado; e Luciano Bonilha Leão, produtor de palco da banda Gurizada Fandangueira, a 18 anos de prisão em regime fechado. Os réus respondem ao processo presos.
O julgamento não pode modificar a decisão dos jurados.
– O que pode ocorrer é a anulação do júri, sendo determinado novo julgamento. Ainda, o TJ-RS poderá considerar que a decisão foi manifestamente contrária à prova dos autos e determinar novo julgamento por isso. Também poderá manter as condenações, mas reduzir ou aumentar as penas, neste caso, se o MP pedir o aumento – explica o pós-doutor em Direito Penal e professor da Pontifícia Universidade do RS (PUCRS) Marcelo Peruchin.
A advogada do réu Marcelo de Jesus dos Santos, Tatiana Borsa, espera que seja um julgamento célere.
– E que a justiça seja feita e os réus sejam encaminhados novamente para novo julgamento, por novos jurados, para uma nova sessão – destacou Tatiana.
O advogado Jader Marques, do réu Elissandro Spohr, diz que sempre consignou em ata as nulidades que considera que tenham acontecido durante o julgamento.
– Portanto, o juiz de direito, ao ser avisado daquilo que estava em desacordo com o procedimento, manteve a ilegalidade, o que anima agora a defesa a esperar a anulação do julgamento. Uma vez advertido e com a manutenção da ilegalidade por decisão judicial, o que cabe agora ao tribunal é reformar o que não está de acordo com o Código de Processo Penal e determinar a realização de um novo julgamento – sustenta Jader.
Jean Severo, advogado de Luciano Bonilha Leão, diz que a expectativa para o julgamento da apelação é a melhor possível.
– Nós temos uma convicção de que esse júri vai ser anulado e esses réus vão ser julgados novamente pelo tribunal do júri – argumenta Severo.
O advogado de Mauro Hoffmann, Mário Cipriani, diz que as razões de apelação foram finalizadas. Ele esteve nesta quarta-feira (2) na Penitenciária Estadual de Canoas para visitar o réu.
– Nós vamos apresentar a documentação que acompanha as razões na segunda-feira (7), quando também vamos apresentar memoriais apartados para cada um dos desembargadores. A expectativa dessa defesa é que esse julgamento seja pautado entre abril e início de maio. Há pedido, desde logo, para que eles possam responder à apreciação dos recursos até o trânsito em julgado em liberdade. E há vários pedidos de anulação do julgamento, que é fortemente o que nós desejamos – ressalta Cipriani.
Promotora defende manutenção da decisão do júri
Após o fim do prazo para apresentação das razões de apelação, o relator da matéria, desembargador Manuel José Martinez Lucas, da 1ª Câmara Criminal, abrirá prazo de oito dias para apresentação de contrarrazões pelo Ministério Público (MP). Caberá à promotora Lúcia Helena Callegari, que atuou no processo em primeiro grau, apresentar o recurso.
– O Ministério Público espera que o Tribunal de Justiça mantenha a decisão justa e correta estabelecida pelos jurados e pelo juiz julgador na aplicação das penas. É o mínimo que se espera depois de todo esse tempo de aguardar julgamento, pelas famílias, pelos sobreviventes e por parte do Ministério Público. A manutenção de um julgamento justo como aconteceu, correto, sem nulidades, um julgamento transparente – defende a promotora.
Após a apresentação das contrarrazões pelo MP, o próximo passo será o envio do processo ao procurador de Justiça que responde perante à 1ª Câmara Criminal para proferir, em até 10 dias, seu parecer. Depois disso, o processo volta para o relator para elaboração de seu voto. Em seguida, vai para o revisor, que, após a elaboração do seu voto, será o desembargador responsável por marcar a data do julgamento.
Substituição de desembargador
Participam do julgamento da apelação três desembargadores. A 1ª Câmara Criminal teve uma mudança de composição nos últimos meses. O desembargador Honório Gonçalves da Silva Neto foi substituído pelo colega José Conrado Kurtz de Souza. Como a câmara possui quatro desembargadores e dois juízes convocados (se necessário for, serão chamados), só se saberá a composição para o julgamento mais perto da data. Nos julgamentos anteriores de recursos, participaram, além do relator Lucas, os desembargadores Jayme Weingartner Neto (revisor) e Honório Gonçalves da Silva Neto. O presidente da 1ª Câmara Criminal, desembargador Sylvio Baptista Neto, ficou de fora. Os juízes convocados que poderão ser chamados, se necessário, são Felipe Keunecke de Oliveira e Andréia Nebenzahl de Oliveira.
Contra o acórdão da 1ª Câmara Criminal, caberá o recurso de embargos declaratórios pelas partes. Também será possível a apresentação de embargos infringentes se for 2 a 1 desfavorável aos réus. Nesse caso, quem julgará esse eventual recurso será o 1º Grupo Criminal, que é composto pelos integrantes da 1ª e 2ª câmaras criminais. Fazem parte da 2ª Câmara Criminal, atualmente, os desembargadores José Antônio Cidade Pitrez, Luiz Mello Guimarães, Rosaura Marques Borba e Gisele Anne Vieira de Azambuja, além da juíza convocada Viviane de Faria Miranda.
Em caso de empate no julgamento pelo 1º Grupo Criminal, os réus são beneficiados. Dessa decisão, cabe recursos especial para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (STF).