O dia 20 de janeiro de 1959 deu início a uma era que se tornaria marco na história automobilística do país: o Fusca, um dos modelos mais queridos do brasileiro, passou a ser inteiramente produzido em território nacional. O amado "fusquinha" só deixaria de ser fabricado em 1996, mas ainda possui um lugar especial na memória de muitas pessoas.
O modelo começou a ser vendido no Brasil anos antes, em 1950, mas naquele momento era importado. Os primeiros exemplares vinham desmontados da Alemanha e eram finalizados pela empresa Brasmotor. Em 1953, a Volkswagen instalou uma montadora própria em São Bernardo do Campo, em São Paulo, e passou a montar os carros, mas sem produzir as peças.
A história do Fusca está envolta em polêmicas e incertezas, já que, na época da criação, não foi dada importância para documentação, pelo fato de não se acreditar que o veículo fosse ter qualquer valor histórico. Contudo, existem algumas respostas precisas para determinadas questões.
O modelo foi criado na Alemanha pelo engenheiro austríaco Ferdinand Porsche, nos anos de 1930, com a ideia de ser um "carro do povo" para um país que, até então, via os veículos como algo da burguesia. Ao assumir o poder em 1933, com a promessa de modernizar e recuperar a nação devastada tanto pelas dívidas da Primeira Guerra Mundial quanto pela Grande Depressão de 1929, Adolf Hitler apoiou a ideia do inventor. Contudo, o chanceler havia imposto algumas condições para que o modelo fosse projetado, como a capacidade de levar quatro passageiros, alcançar e manter a velocidade média de 100 km/h e fazer 13 quilômetros com um litro de gasolina.
As especificidades técnicas e o prazo de tempo curto para apresentação do primeiro protótipo renderam diversos problemas e desafios para a equipe do engenheiro. Além disso, existem diversos pontos polêmicos, como as críticas dos fabricantes de carros, acostumados a produções de luxo até então, e as reclamações pelo fato de o governo alemão interferir na produção de automóveis. Entre idas e vindas, o primeiro protótipo foi apresentado em dezembro de 1934, mas o veículo só passaria a ser produzido, de fato, em 1938.
Com o começo da Segunda Guerra Mundial, a produção em série foi interrompida para atender às demandas que o conflito exigia. Mas a fabricação foi retomada logo após o término do conflito.
A mais de 160 km/h
Dentre os aficionados por carros, não é raro encontrar relatos de pessoas que fazem modificações nos veículos para melhorar seu desempenho e atingir velocidades maiores – técnica conhecida como "envenenar o motor". A prática não é diferente com os clássicos Fuscas, que possuíam configuração limitada para quem gosta de velocidade.
— Meu Fusca, nos anos 1990, era um 68, motor 1200 6Volts. Depois passei ele para 1600, dois carburadores. Eu também colocava gasolina de avião, pois um amigo meu tinha facilidade de conseguir e aí resolvi colocar um pouco pra ver o que daria. Ajudava bastante, motor ficava mais nervoso — conta o mecânico Marcelo Leitzke, 52 anos.
Ele, que é um dos apaixonados pelo modelo, conta que hoje em dia é mais fácil preparar um motor devido aos recursos mais modernos, mas no passado não se tinha muitas opções. Contudo, o resultado costumava impressionar.
— No caso do fusca, o jeito era por pistões maiores, preparar uma boa carburação e um câmbio com uma relação mais longa — explica.
De acordo com relatos de pessoas que "envenenavam" seus Fuscas, essas modificações poderiam fazer os modelos correr até 160 km/h ou mais. Mecânico e colecionador do modelo, Romeu Eckhardt, 75 anos, diz que esse "envenenamento" não passa de um modo de falar. O que de fato acontecia era os motoristas turbinando os seus carros com rodas maiores, carburadores melhores e motores de maior potência.
— Na época, a Volkswagen criou um modelo de motor chamado SP1, que alcançava mais velocidade que os outros Fuscas. Depois também lançaram o SP2 — contou Romeu a GZH.
O dono da Oficina do Romeu Eckhardt, localizada em Lajeado, citou que os Fuscas possuíam capacidade média para alcançar os 140 km/h, velocidade não muito distante dos 160 km/h quando "envenenados". Contudo, vale ressaltar que acelerar um veículo a essa velocidade vai contra o Código de Trânsito Brasileiro, sendo considerada infração gravíssima.
Fusca colorido
Romeu já teve mais de 50 Fuscas, segundo ele próprio e seu filho Felipe Eckhardt, de 39 anos, que trabalha na oficina com o pai. Alguns deles renderam boas histórias de vida, como a do "Fusca colorido", batizado de "mil e uma", por ter sido montado com peças de cores diferentes.
— Quando eu comecei a namorar, fiz um Fusca específico, todo com peça velha para sair com ela. Montei com para-lama de um Fusca diferente, para-choque de outro, capô de mais outro... Várias peças com cores diferentes — contou.
O veículo durou cerca de dois anos e um fato engraçado ocorreu quando ele decidiu pintá-lo numa única cor.
— Quando fui pintar era um dia quente que nem hoje (quarta-feira, 19/01), um sábado caloroso, que decidi de tarde pegar e passar duas, três mãos de tinta, deixei tudo prontinho. Mas aí veio um temporal, levantou poeira e tapou o carro. Tive que tirar toda a tinta e depois pintar tudo novamente — contou Romeu, enquanto caía na gargalhada ao lado do filho Felipe.
A brincadeira do fusca azul
Uma brincadeira muito popular entre os jovens nas escolas consiste em dar um soco ou um tapa no amigo mais próximo a partir do momento em que se vê um fusca azul. O jogo é muito antigo e suas origens são incertas.
Uma das versões aponta que tudo começou com uma história envolvendo Henry Ford, o magnata fundador da Ford. Durante um período de crise, a empresa só comercializou veículos na cor preta, tanto que foi dessa época que surgiu a frase clássica atribuída ao empresário: “O cliente pode ter o carro que quiser, desde que ele seja preto”.
Certo dia, um funcionário responsável pela produção da tinta dos veículos errou a mão e acabou pintando um lote inteiro de azul escuro. A lenda diz que Henry Ford não gostou nada do descuido, de forma que ele deu um tapa nas costas do funcionário na frente de todos os seus colegas, além de não disponibilizar os veículos para venda. Esses mesmos foram reservados para a frota interna da fábrica, então toda vez que um funcionário via um desses carros passar pela fábrica, logo imitava o patrão e desferia um tapa nas costas do colega mais próximo.
Anos mais tarde, com a popularização do fusca a brincadeira se modificou. Nos países de língua inglesa, o modelo é chamado de Beetle (besouro) e nos Estados Unidos, também era chamado de Bug (inseto). Portanto, a brincadeira foi associada ao ato de “esmagar o inseto”. Dessa forma, ao ver um “bug” ou “fusca”, os amigos corriam para esmagar o inseto no braço dos amigos. No Brasil, a brincadeira também se modificou e acabou misturando o Fusca e à cor azul quando o carro foi introduzido no mercado nacional nos anos 1950.
Produção: Nikolas Soares e Gabriel Mattos