Um dos principais depoimentos deste início de semana no júri dos acusados da morte de 242 pessoas na boate Kiss é o de Nathália Daronch, esposa de Elissandro Spohr, o Kiko – um dos quatro réus do caso. Ela falou na tarde de segunda-feira (6), confirmando que estava na danceteria na noite em que houve o incêndio e foi hospitalizada por intoxicação.
No depoimento, Nathália (que é formada em Direito, mas não atuava nessa profissão na época) tentou afastar qualquer suspeita de responsabilidade de Kiko no incêndio. Disse que ia quase toda noite na boate, acompanhar o marido, que também tinha banda própria, a Projeto Pantana. Quando ocorreu a tragédia, ela estava grávida de quatro meses. Ficou entre a porta e um corredor interno, por onde entravam e saíam as pessoas, cercada de conhecidos e seguranças da casa noturna. Ao ver o tumulto, ela conseguiu sair. Atravessou para o outro lado, um supermercado. E ficou vendo a danceteria pegar fogo, chocada.
Conforme ela, Kiko já estava fora, mas demorou uns cinco minutos a ver ele. Um segurança a levou até o marido, que estava preocupado por não ver ela sair:
— O Kiko me abraçou, estava muito desesperado. Disse para eu ficar ali e voltou para a boate. Dizia aos funcionários da boate “vamos, vamos...abram, abram”. Ele carregou a Kátia, uma sobrevivente. Buscou garrafas para encherem de água e darem às pessoas. Vi ele quebrando a parede da boate, pedindo para entrar, mas não deixaram voltar ao prédio, pelo risco.
Nathália e Kiko ficaram hospitalizados “de cinco a sete dias”, relatou ela. Por intoxicação e, no caso dele, também por algumas queimaduras.
Questionada pelo Ministério Público, Nathália disse que a banda Projeto Pantana, de seu marido, não usava artefatos pirotécnicos:
— A banda do Kiko nunca usou pirotecnia ou fogos de artifício. Ele não deixava.
Confrontada com uma foto, em que aparece muita fumaça ao fundo de um show, ela garante que não é a gravação de um clipe da banda de Kiko (como disse o Ministério Público). E que é a fumaça era proveniente de uma máquina que produz gelo seco (CO2), não de fogos pirotécnicos.
Nathália garantiu que Kiko sempre colocou extintores na danceteria e não lembra de locais que não tivessem esse equipamento. A esposa do empresário assegurou ainda que a espuma antirruído (que queimou durante o incêndio) foi indicada por um engenheiro e colocada por Kiko mediante orientação desse profissional. A reforma para conter a propagação do som custou cerca de R$ 250 mil.
A afirmativa de Nathália contraria o que mostra o projeto de engenharia para isolamento acústico da boate, que não menciona a necessidade de espuma, conforme mostrou reportagem de GZH.
Nathália negou que a boate estivesse superlotada na noite da tragédia. Afirmou que tinha de 800 a 850 pessoas e que sempre que ultrapassava um certo limite, era impedida entrada de novos clientes.
Sobre responsabilidades, Nathália diz que Mauro Hoffmann era sócio da Kiss, mas ia muito pouco na boate. Quem contratava as bandas era Kiko, Maurinho participava de conferências financeiras.
— Não éramos amigos. Amigos nossos eram os funcionários da boate. Kiko fazia churrascos com eles. Tirava do dinheiro dele para ajudar, quando precisavam — comentou.
Nathália confirmou que Mauro Hoffmann foi na casa dela depois do incêndio. Procurou Kiko, estava preocupado com o que aconteceu.
O Ministério Público tentou contradizer em alguns pontos a testemunha. A intenção era mostrar vídeos da boate cheia e com espetáculos pirotécnicos. Nathália pediu para não ver vídeos, que ficava muito mal quando os assistia. O juiz acatou o pedido, lembrando que é direito da vítima se recusar a esse tipo de exposição.
A respeito da relação com o marido, ela disse que Kiko é um homem de família e um pai exemplar. O casal tem duas filhas, uma de oito anos e outra de cinco. Nathália chorou ao falar a respeito.
— Quando saímos do hotel para o júri, as meninas me disseram: “Mãe, traz o pai de volta para casa! Ele não queria matar as pessoas”.