Um dos quatro acusados pela tragédia da boate Kiss, o músico Marcelo de Jesus dos Santos – que lançou o artefato causador do incêndio que matou 242 pessoas em Santa Maria, em 2013 – vai voltar ao palco dos acontecimentos. Literalmente. Ele garantiu na Justiça o direito de ingressar na danceteria. Melhor, no que restou dela.
A ideia da defensora de Marcelo, a advogada Tatiana Borsa, é entender como se passou a dinâmica do incêndio, como os músicos conseguiram sair do palco. Ver tudo do ponto de vista do réu.
— Será um momento muito difícil para o Marcelo, mas vamos enfrentar. Com respeito a tudo o que aconteceu e a todos, mas iremos lá. Alguns outros integrantes da banda, que acompanhavam nosso cliente, também voltarão à boate pela primeira vez desde o incêndio — adianta Tatiana.
A banda a que se refere a advogada é a Gurizada Fandangueira, que tocava no momento do incêndio. Marcelo dos Santos era o vocalista. Ele empunhava um artefato produtor de fogos de iluminação usado em festas, do qual escaparam fagulhas que queimaram a espuma do teto usada como revestimento antirruído na boate. Foi o começo do incêndio. Um gaiteiro que tocava na banda morreu no episódio, o mais trágico da história gaúcha.
Em entrevista exclusiva a GZH, a primeira após a tragédia, Marcelo de Jesus dos Santos disse que sua vida parou em 27 de janeiro de 2013, a data do incêndio. Ele também se considera vítima, porque ficou com sequelas pulmonares e psicológicas derivadas do fogo na boate.
A Gurizada Fandangueira não existe mais. Alguns ex-parceiros de Marcelo na banda concordaram em ingressar na boate para relatar como tudo começou. O pedido da advogada foi aceito pelo juiz Orlando Faccini Neto, que presidirá o júri, a ser realizado a partir de 1º de dezembro em Porto Alegre. O magistrado determinou que a Comarca de Santa Maria disponibilize um oficial de Justiça para evitar qualquer desgaste entre a defesa do réu Marcelo e a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM).
A visita dos ex-integrantes da banda Gurizada Fandangueira ao palco da tragédia deve ocorrer em 23 de novembro, oito dias antes do júri, mas a data ainda precisa ser confirmada.
E o que pensam os familiares de vítimas a respeito? GZH falou com Paulo Carvalho, que perdeu um filho na tragédia da Kiss e atua como diretor jurídico na AVTSM. Ele diz que a associação de vítimas e sobreviventes não pretende oferecer obstáculos e nem ingressar com recurso contra a visita do réu à boate, até para evitar que surjam reclamações de “cerceamento ao direito de defesa do réu”.
Do ponto de vista emocional, porém, ele admite que é muito difícil.
— A maioria se sente muito mal. Já está sendo difícil suportar quando tentam mostrar os réus como vítimas. Essa ação de entrar na boate é mais uma tentativa de descaracterizar o que já foi extensamente apurado. Mesmo que isso traga mais dissabor e sofrimento, que entrem lá. Mas que não se faça um espetáculo da defesa. Que tenham a decência e ética. É o mínimo que os familiares merecem — apela Carvalho.