Um suposto esquema de superfaturamento, obras fantasmas e desvio de tubulações estaria lesando a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). Investigado na serra gaúcha pela Polícia Civil e pelo Ministério Público, a denúncia é feita por um funcionário da estatal. Diversas irregularidades também foram apontadas em auditoria interna da empresa.
As suspeitas envolvem uma empreiteira que presta serviços de consertos de vazamentos e outras obras na rede da companhia, conforme reportagem exibida pelo Jornal do Almoço, da RBS TV. Funcionários que fazem a fiscalização dariam por concluídos serviços não executados, como uma caixa que teria sido instalada em uma rua da cidade de São Marcos, por exemplo.
- Aqui na (Rua) Silvino Bolzan, tem uma ordem de serviço de fiscalização aprovando a caixa de construção pra proteção de registro. Cada caixa vale R$ 2.170, então, tá aprovado aqui, mas na rua não existe nenhuma caixa de proteção – disse o servidor da Corsan autor das denúncias.
Com sete anos de atividades na estatal, o funcionário que não quer ser identificado declarou ainda que, nos relatórios de fiscalização dos serviços supostamente prestados pela terceirizada, aparecem fotos iguais para consertos diferentes.
- Aqui, eu tenho uma ordem feita na (Rua) Jacob Studilski, a foto do vazamento é a mesma foto do vazamento na (Rua) Joaquim Domingos Vanelli. Aqui na Domingos Vanelli foi feito dia 25 de agosto e da Jacob, foi feita dia 14 do sete (julho) – disse o delator, mostrando os documentos que comprovariam as denúncias.
Conforme o relato do funcionário, a Corsan pagaria à empreiteira até por reparos realizados pela prefeitura de São Marcos. A apuração da RBS TV descobriu que as denúncias na Corsan se arrastam desde 2018, quando uma auditoria interna apontou os mesmos problemas, cintando nomes de três funcionários. Um relatório de auditoria mostra que um mesmo serviço foi cobrado três vezes da estatal pela empreiteira JLV, que teria subcontratado para as obras uma empresa pertencente à sogra do servidor Márcio Rabeschini.
Outro trecho do documento indica que oito reparos custaram à Corsan R$ 13,5 mil, mas o valor real das obras, conforme os auditores, não passaria de R$ 3 mil. Em três anos, o prejuízo à companhia de saneamento teria sido de quase R$ 700 mil. O Ministério Público investiga os apontamentos da auditoria.
- Uma vez estabelecida qual a conduta praticada tanto pelo servidor quanto pela empresa contratada pela execução do serviço, as possibilidades de penalidade são a reparação integral do dano, eventualmente multa civil, a demissão do servidor e a proibição de contratação dessa empresa pelo poder público em novas contratações – afirma o promotor de Justiça Evandro Kaltbach.
A Polícia Civil de São Marcos também investiga denúncias de desvios na companhia, com suspeitas de participação do funcionário Márcio Rabeschini, citado na auditoria.
- Conseguimos apreender o material da Corsan que teria sido desviado. No caso seriam alguns canos e esses canos foram pagos por um particular ao funcionário da Corsan. Inclusive, comprovadamente, ele nos apresentou a forma de pagamento. Então, a gente tá apurando crimes de corrupção e também outros crimes que possam haver, além da corrupção e organização criminosa – diz o delegado Rafael Keller.
O que dizem os envolvidos
Em nota, a Corsan diz que adotou uma serie de providências após as primeiras denuncias virem à tona, como bloqueio de pagamentos à empreiteira e novas medidas de controle interno. Também afirma que abriu processo administrativo. Mas em relação à suspeita de envolvimento de um funcionário, afirma que os apontamentos da auditoria foram explicados e que considerou satisfatórios quase todos os esclarecimentos do servidor. Segundo a nota, o jurídico da estatal orientou o arquivamento do expediente, mas diante das divergências, a diretoria aguarda conclusão das investigações do Ministério Público.
Já a direção da JLV reconhece que subcontratou uma empresa para as obras e que essa empresa usou nos serviços uma retroescavadeira registrada em nome da sogra do servidor Márcio Rabeschini, fato que desconhecia. Considera ainda que foi lesada e roubada, uma vez que a subcontratada recebia por serviços não prestados. Alega também que quando soube dos fatos, rompeu contrato com a firma e que e dispôs a reparar o dano à Corsan.
Por sua vez, o servidor Márcio Rabeschini declarou que desconhece os fatos citados nas denúncias e que o advogado dele entraria em contato com a reportagem, o que não aconteceu.
Leia, na íntegra, a nota envida pela Corsan
Identificamos que se trata de uma denúncia ocorrida no ano de 2017, que gerou desdobramentos no âmbito do Companhia e do Ministério Público do Estado. Até o momento se desconheciam questões no âmbito da polícia civil.
Encaminhamos abaixo uma linha do tempo sobre as medidas que foram realizadas no âmbito da Corsan em relação à denúncia e aproveitamos a oportunidade para destacar que desde 2019 a Companhia tem realizado uma série de iniciativas para orientar os seus empregados e contratados sobre questões de ética e conduta para garantir a integridade de nossos processos, como, por exemplo:
- Inclusão de cláusula contratual com a obrigatoriedade de Programa de Integridade às contratadas
- Revisão do Código de Ética e Conduta
- Reformulação da Comissão de Ética
- Contratação de um Canal de Denúncias terceirizado, garantindo o anonimato do denunciante
- Campanhas Internas “Trilha da Integridade”, “Compromisso com o que é certo”
Providências realizadas a partir da denúncia:
1) Auditoria Extraordinária Interna
Relatório 003/2018-Auditoria
Conclusão: dezembro/2018
Foi identificada subcontratação, porém tratava-se de empresa registrada em nome da sogra de um empregado. A subcontratação compreendeu ao período entre 09/2014 a 11/2017. Fato que foi sanado após notificação da Corsan à empresa em 30/11/2017. Afronto à cláusula 17ª do Contrato.
Evidenciadas as seguintes inconformidades:
- cobrança por serviços não executados;
- serviço cobrado a maior (superfaturamento);
- horas excessivas na utilização de equipamento;
- falta de fiscalização e gestão do contrato.
Prejuízo estimado: R$ 678.835,44
Recomendações:
- imediata suspensão de eventuais pagamentos à empresa (efetivado o bloqueio de R$ 1.176.488,54 em 2019)
- abertura de processo administrativo para sancionar à contratada (JLV) (informação abaixo sobre o desdobramento)
- prosseguimento do processo de sindicância em face do empregado (informação abaixo sobre o desdobramento)
- apuração de eventuais faltas funcionais em face dos gestores do contrato (informações abaixo sobre o desdobramento)
2) Sindicância
Abertura: 27/11/2017
Denúncia: atos de corrupção praticados contra a Corsan. Empregado teria empresa em nome da esposa que prestava serviços exclusivos à Construtora JVL, empresa contratada pela Corsan para prestar apoio operacional no Município de São Marcos. Há acusação de que o empregado realizava os serviços à empresa MMR (de sua esposa) à JLV (contratada pela Corsan) em horário de expediente e estaria atestando medições em quantidades maiores do que os serviços efetivamente executados.
Relatório Final da Comissão: 12/12/2019
Concluiu que os casos apontados pela Auditoria foram todos explicados pelo empregado e considerou satisfatória praticamente todos os esclarecimentos, com exceção de uma ordem de serviço que houve erro no endereço cadastrado, mas que a gestora da unidade informou que poderia ter ocorrido em razão de haver duas ruas com mesmo nome. A Comissão concluiu que a Auditoria usa como base para comprovar que haveria irregularidades o fato da redução drástica no uso do material a partir da denúncia, em novembro de 2017. No entanto, considera que a redução estaria relacionada ao uso de tablets e à mudança de postura dos empregados, que com medo de serem responsabilizados, passaram a utilizar menos material. Além dos fatores citados, não houve utilização do contrato para limpeza das barragens, diminuindo a quantidade de serviços. Em que pese as conclusões da Auditoria, a Comissão entendeu que não houve comprovação de que houve de fato alguma irregularidade nos casos apresentados, considerando o conteúdo da defesa, os depoimentos e as justificativas satisfatórias, sugerindo o arquivamento do processo.
Despacho Superintendência Jurídica: 20/03/2020
Orientação pelo arquivamento do expediente, levando-se em consideração o que foi apresentado pela Comissão Sindicante.
No entanto, a Diretoria da Presidência, considerando as conclusões distintas entre o que apontou a Auditoria Interna e a conclusão da Comissão Sindicante (que são conflitantes), aguarda os desdobramentos do inquérito civil instaurado pelo Ministério Público, que segue em tramitação na Promotoria de São Marcos.
3) Processo administrativo para aplicação de sanção à contratada (transformado em eletrônico Proa 21/0587-0001090-0)
Abertura: 04/01/2017
Em 07/01/2019 a Superintendência de Licitações e Contratos determinou prosseguimento.
Em 15/01/2019 foi encaminhada notificação à empresa.
Em 01/02/2019 a empresa apresentou defesa.
Parecer nº 0023/2019-Delco/Supej: 28/03/2019
Concluindo, em síntese, no sentido de haver indícios de improbidade administrativa e pela possibilidade de suspensão dos créditos.
A Companhia bloqueou o pagamento dos créditos da empresa, no valor de R$ 1.176.488,54.
Em 29/09/2020 foi solicitada a atualização dos valores, análise dos procedimentos de aplicação de penalidade, encaminhadas informações ao MP e prosseguimento da sindicância.
Em 16/12/2020 a empresa é notificada acerca dos cálculos.
Em 17/05/2021 houve questionamento da Diretoria de Operações à Superintendência Jurídica em relação à aplicação de sanção à empresa e não aplicação de penalidades funcionais ao empregado denunciado. Tramita internamente para os encaminhamentos.
4) Notícia de Fato 01878.000.142/2017
Abertura: 06/07/2017
Após, verificado conflito negativo o processo foi distribuído à Promotoria de Justiça de São Marcos – IC 01878.000.084/2020, segue em tramitação.
Em 02/09/2021 a Promotoria informou que o processo segue em tramitação e encaminhou pedido de informações à Corsan.
- Entre as medidas adotadas pela Corsan, listadas na resposta que te mandamos, está a contratação de uma empresa de investigações independente para a realização das sindicâncias internas, buscando mitigar possíveis conflitos de interesse na condução das atuações realizadas por sindicâncias internas e também, para fins de garantir a celeridade necessária para casos envolvendo irregularidades de alto risco de integridade.
Essa contratação sofre resistências internas e foi contestada pelo Sindiágua. Tendo sido, inclusive judicializada pelo órgão e no início do mês tivemos a informação de que foi suspensa por decisão judicial. A Corsan avalia a decisão para tomar as medidas cabíveis e pretende seguir com a contratação.
A Corsan reforça seu compromisso com a integridade e com o controle, tomando as medidas adequadas para evitar que este tipo de situação ocorra não só neste caso pontual, mas em todo o âmbito da companhia.
A Companhia segue à disposição para quaisquer dúvidas e informações.