No momento de disparada de mortes pela covid-19 no Brasil, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, aposta em nova arma ineficaz para o controle da pandemia. O general lançou em Manaus, nesta semana, o TrateCOV, um aplicativo que estimula a prescrição de medicamentos sem eficácia comprovada contra esta doença.
Segundo o próprio ministério, após o diagnóstico, que é sinalizado pelo aplicativo a partir de uma pontuação definida pelos sintomas do paciente, o TrateCOV sugere a prescrição de hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, azitromicina e doxiciclina. O tratamento muda conforme os dados apresentados pelo paciente, segundo a pasta.
Estes medicamentos não têm eficácia comprovada contra a covid-19, são rejeitados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), mas viraram aposta do governo Jair Bolsonaro no combate à doença. Durante a crise sanitária, o presidente desestimulou o uso de máscaras e do distanciamento social, mas mandou turbinar a produção da cloroquina e buscou doação de hidroxicloroquina - medicamentos hoje encalhados nos estoques do governo federal. O aplicativo também indica o uso do corticóide dexametasona, que é recomendado pela SBI para casos mais graves.
O ministério afirma que o uso do TrateCOV poderá ser "ampliado para outras regiões do país". "A ação do Ministério da Saúde tem como objetivo fornecer mais um mecanismo que dará maior segurança e agilidade no diagnóstico da Covid-19, visando reduzir o risco de internações e óbitos", diz a pasta em nota.
Em Manaus, Pazuello afirmou, na segunda-feira, 11, que o pilar da estratégia do ministério contra a pandemia é o "tratamento precoce". No vocabulário da pasta e nos documentos oficiais, este tratamento significa a prescrição da cloroquina, entre outros medicamentos. "Diagnóstico não é do teste. Não aceitem isso. É do profissional médico. O tratamento, a prescrição, é do médico, e a orientação é precoce", disse Pazuello. "A medicação pode e deve começar antes desses exames complementares. Caso o exame lá na frente der negativo, reduz a medicação e tá ótimo. Não vai matar ninguém", completou.
A capital do Amazonas vive novo colapso de Saúde e não tem oxigênio para todos os pacientes da covid-19. Em nota, a Saúde afirma que enviou 131 respiradores ao Estado, 1.500 cilindros de oxigênio e recrutou profissionais de saúde para permitir a abertura de novos leitos de UTI.
Ainda em Manaus, a equipe de Pazuello fez visitas a unidades de atendimento do SUS. Além de escutarem sobre a crise na cidade, os representantes do ministério deram orientações sobre a suposta evidência de benefícios do "tratamento precoce", apurou o Estadão. A equipe da Saúde foi reforçada por cerca de 10 médicos de outras cidades, entusiastas do "tratamento precoce", que viajaram à capital do Amazonas a convite do ministério.
Dias antes do périplo pelas unidades de saúde em Manaus, a secretária nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, avisou ao município que as visitas serviriam para estimular adoção do "tratamento precoce". Em ofício enviado à Secretaria de Saúde local, Pinheiro ainda escreveu que seria "inadmissível" Manaus não prescrever antivirais sem eficácia comprovada. O documento foi revelado pela Folha de S.Paulo e obtido também pelo Estadão.
Sem citar qualquer prova, o presidente Jair Bolsonaro disse que a crise de saúde em Manaus deve-se à falta do "tratamento precoce". Bolsonaro desestimula a adoção de medidas eficazes contra a pandemia, como uso de máscara e distanciamento social. "Não faziam tratamento precoce. Aumentou assustadoramente o número de mortes. Mortes por asfixia, porque não tinha oxigênio. O governo estadual e municipal deixou acabar oxigênio", disse o presidente a apoiadores na terça-feira, 12.
Por ordem de Bolsonaro, o Laboratório do Exército fez mais de 3,2 milhões de comprimidos da cloroquina. Em novembro, estavam encalhadas mais de 400 mil doses. O País também recebeu cerca de 3 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e da farmacêutica Sandoz, mas até a metade de dezembro não conseguiu distribuir nem 500 mil unidades. Além da baixa procura, o fármaco foi enviado em caixas com 100 ou 500 comprimidos e precisa ser fracionado - com custo repassado a Estados e municípios.