BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A inclusão pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) de academias, salões de beleza e barbearias como atividades essenciais durante a pandemia do novo coronavírus levou a reações de governadores, que disseram que não vão seguir a orientação.
Na contramão, alguns estados e cidades vêm impondo medidas mais duras de restrição à circulação, diante da escalada de casos e mortes pela Covid-19 e das dificuldades do sistema público de lidar com a quantidade de pacientes graves. Ao menos quatro estados têm ocupação de seus leitos de UTI do sistema público acima de 80%. No país, as mortes causadas pelo novo coronavírus já passam de 12 mil.
As regiões metropolitanas de São Luís, Belém e Recife têm "lockdown", bloqueio total, no qual só é permitida a circulação nas ruas com comprovação de atividade essencial.
Em São Paulo, estado que concentra a maior parte dos casos de Covid-19 do país e já registrou quase 4.000 mortes pela doença, 68% dos leitos de UTI estão ocupados; a situação é pior na Grande São Paulo, que tem 85,7% das UTIs ocupadas. Projeções feitas com modelo desenvolvido na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) indicam que a adoção de "lockdown" no estado de São Paulo será inevitável caso o nível de isolamento social não suba significativamente nas próximas semanas.
A capital paulista implantou nesta semana um rodízio mais restritivo de veículos, pelo qual só metade da frota pode circular a cada dia, em um esforço para aumentar o isolamento, que caiu abaixo de 50%, segundo dados do governo estadual.
No estado, a quarentena foi prorrogada até 31 de maio na sexta-feira (8). Desde 24 de março, apenas serviços essenciais estão abertos ao público no estado, como medida para conter o avanço do novo coronavírus. O prazo da quarentena tem sido postergado. Segundo o governo, o período é avaliado de acordo com a velocidade da contaminação no estado.
No Rio, a situação da saúde pública também é grave, com 83% dos leitos de UTI no estado ocupados. Na capital fluminense, começaram nesta terça-feira medidas de restrição de circulação em bairros: na orla da praia, do Leme ao Pontal, o estacionamento agora é só para moradores; e nos bairros do Grajaú, Madureira e Santa Cruz, a prefeitura restringiu a circulação de pedestres e veículos. Nesta quarta-feira (13), também haverá bloqueios no Méier, Pavuna, Tijuca, Freguesia, Taquara, Guaratiba e Realengo.
Entre os chefes de governo estadual que já anunciaram que não seguirão o decreto do governo federal sobre as academias, salões de beleza e barbearias estão Wilson Witzel (PSC), do Rio; Rui Costa (PT), da Bahia; Camilo Santana (PT), do Ceará; Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão; Helder Barbalho (MDB), do Pará, e Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo.
O governo de São Paulo não informou se será permitida a reabertura desses estabelecimentos no estado. Em nota, o governo de João Doria (PSDB) diz que está analisando o decreto federal e que a decisão será anunciada nesta quarta-feira (13). A Procuradoria Geral do Estado também analisa juridicamente o decreto, afirma.
Nesta terça, Bolsonaro criticou os governadores que se opõe à liberação dos serviços, decisão que foi tomada sem consulta ao Ministério da Saúde. "O afrontar o estado democrático de direito é o pior caminho, aflora o indesejável autoritarismo no Brasil. Nossa intenção é atender milhões de profissionais, a maioria humildes, que desejam voltar ao trabalho e levar saúde e renda à população", escreveu o presidente em rede social.
Bolsonaro também escreveu que os governadores que não concordam com a reabertura dos serviços podem recorrer à Justiça ou entrar com projeto de decreto legislativo via congressista. Mais tarde, disse que a AGU (Advocacia Geral da União) pode adotar medidas contra os gestores caso necessário.
No entanto, o STF (Supremo Tribunal Federal) já havia decidido em abril que União, estados e municípios têm competência concorrente para definir estratégias de saúde pública e regulamentar a quarentena. O STF deixou clara a autonomia dos entes da Federação para fixar os serviços aptos a seguirem em funcionamento.
Pela decisão do STF, prefeitos e governadores conhecem melhor a realidade local e a palavra deles prevalece em relação à do governo federal na permissão para determinados serviços voltarem a funcionar.
"Não há dúvidas de que estados e municípios têm autonomia para decidir quais serão as medidas que irão tomar de acordo com as suas peculiaridades e necessidades", afirma Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas.
Segundo a advogada, o que deve acontecer é os entes federativos irem contra o decreto de Bolsonaro e manterem esses serviços fechados. "São Paulo não deve cumprir esse decreto", diz.
Especialistas ouvidos pela reportagem, porém, alertam para o risco de insegurança jurídica e judicialização em caso de decretos conflitantes entre os entes federativos.
Caso o governo estadual de São Paulo, por exemplo, mantenha fechados os serviços incluídos na lista pelo decreto federal, o que pode acontecer é empresas desses setores entrarem com ações para reabrir, afirma Daniela Barreiro Barbosa, advogada especializada em direito administrativo da Innocenti Advogados Associados.
Ana Júlia Moraes, sócia e advogada do escritório WFaria, concorda que o STF tende a manter a autonomia dos estados e municípios. Ela pondera, no entanto, que cada nova provocação permite um novo posicionamento.
"Acho que a grande questão é a infelicidade da emissão do decreto em trazer mais conflito. Em vez das autoridades estarem focadas na preservação da saúde e contenção da pandemia, a gente se pega discutindo questões de hierarquia legislativa", afirma.
A advogada também explica que, se houve pressão desse setor pela reabertura na esfera federal, isso abre um precedente para que outras categorias comecem também a pressionar o governo e "vire uma grande insegurança jurídica".
O ministro da Saúde, pego de surpresa pelo decreto das atividades essenciais na segunda-feira, informou na segunda não ter participado da discussão sobre a medida. Bolsonaro disse nesta terça-feira (12) que, se a pasta não tem normas prontas para garantir a reabertura de academias, salões de beleza e barbearias, deve, então, providenciá-las. "Está escrito lá: seguindo norma do Ministério da Saúde. Se não tem norma, faz", disse o presidente.
Questionado sobre que critérios havia adotado para tomar a decisão, não quis mais responder sobre o assunto. "Chega de pergunta", disse Bolsonaro.
Teich não participou de entrevista diária sobre a pandemia nesta terça. O secretário de vigilância em saúde substituto, Eduardo Macário, demonstrou desconforto quando questionado sobre recomendações da pasta para a reabertura de academias. "Acho que são todas aquelas que o ministério vem passando, principalmente etiqueta respiratória, lavagem de mãos, utilização de ambientes arejados, para justamente você ter maior circulação do ar, e evitar aglomerações."
A pasta afirmou que apresentará nesta quarta-feira (13) um plano que prevê cinco níveis de restrições e distanciamento para estados e municípios, com base em uma classificação que leva em conta a estrutura da rede de saúde e a velocidade de transmissão do novo coronavírus. Representantes dos estados e municípios, no entanto, já disseram que não concordam com a proposta e que, portanto, não devem segui-la.