A rotina de hospitais em diversos países do mundo segue saturada de relatos sobre a escassez de insumos de saúde durante a pandemia do coronavírus.
Em meio ao cenário de guerra, médicos e especialistas dizem que respiradores podem estar sendo utilizados de maneira excessiva para tratar pacientes de covid-19 e gerando resultados abaixo do esperado em casos graves da doença.
Estudos realizados nos EUA, na China e na Europa mostram que a maioria das pessoas colocadas nos respiradores acabam morrendo, e as que sobrevivem podem permanecer com danos respiratórios devido à intensa pressão que a máquina faz nos pulmões.
No centro desse debate estão o longo tempo que o paciente pode ficar no respirador (muitas vezes, semanas) e a dificuldade de encontrar uma opção de tratamento menos agressiva antes de submeter os doentes às máquinas.
Ainda há muitas dúvidas sobre o que fazer para tratar a covid-19, mas o fato de pacientes com mais chance de sobreviver correrem risco de ficar sem respiradores abriu uma discussão sobre a necessidade de reavaliar o uso dos equipamentos e pensar em alternativas menos invasivas.
Professor emérito da Universidade da Califórnia em Berkeley, John Swartzberg afirma que é preciso cautela com estatísticas que apontam altas taxas de morte dos pacientes que usam respiradores, visto que são os casos mais severos. Concorda, porém, que o desempenho das máquinas não tem sido satisfatório.
— É provável que as pessoas que usam respiradores não estejam indo tão bem quanto pensávamos que iriam. São informações provenientes de hospitais e médicos respeitados que dão conta disso.
Segundo Swartzberg, é preciso se debruçar sobre outras maneiras de tratamento ou descobrir uma forma de tirar os pacientes mais rapidamente dos respiradores para otimizar o sistema de saúde sob as lentes do equipamento.
— Precisamos identificar pessoas que, no critério atual, deveriam entrar no respirador e reavaliar se há mais que possamos fazer e ainda não tentamos.
Uma das hipóteses dos que apontam uso desmedido do respirador é que os níveis sanguíneos de oxigênio, excessivamente baixos nos pacientes de covid-19, podem estar acelerando o processo de intubação antes que outra alternativa seja vislumbrada.
Quando a chamada taxa de saturação (índice que mede o oxigênio no sangue) está abaixo de 93% há muito tempo, os médicos veem risco de danos aos órgãos, o ideal é de 95% a 100%, e tendem a apoiar a respiração com dispositivos não invasivos e mais disponíveis, como as máscaras para apneia do sono.
Casos graves de infecção por coronavírus, porém, podem chegar a taxas de saturação de 70% ou 60%, o que leva muitas equipes médicas a apostar imediatamente no respirador mecânico, algo que exige sedação para a introdução de um tubo de plástico na traqueia que faz o trabalho que os pulmões não conseguem.
O sistema pode gerar danos aos que sobreviverem, explica Tiffany Osborn, médica da UTI do hospital Barnes-Jewish, no Missouri.
— O próprio respirador pode danificar o tecido pulmonar com base na quantidade de pressão necessária para ajudar o oxigênio a ser processado pelos pulmões — disse ela à NPR.
Nesse caso, uma vertente defende que as pessoas sejam colocadas mais cedo no respirador, antes de o pulmão estar muito prejudicado, algo também sem consenso.
— Não temos certeza do quanto os respiradores ajudarão. Eles podem ajudar a manter alguém vivo no curto prazo, mas não temos certeza se vão ajudar depois —diz ela.
No estado de Washington, o primeiro a registrar um caso de covid-19 nos EUA, em 21 de janeiro, estudo mostrou que, de 18 pacientes que entraram no respirador, 9 sobreviveram.
Já o Centro Nacional de Pesquisa e Auditoria em Cuidados Intensivos de Londres revelou que, dos 98 infectados pelo novo coronavírus que estavam sendo observados nos respiradores, só 33 saíram vivos. Em Wuhan, província chinesa onde surgiu o novo coronavírus, um estudo apontou que só 3 de de 22 pacientes nas máquinas sobreviveram.
Mesmo os especialistas céticos dizem que isso não significa que o respirador seja inútil. Mas é preciso otimizá-lo.
Nos EUA, dados que embasam as diretrizes das projeções da Casa Branca mostravam, no início de abril, que o país precisaria de ao menos 31,7 mil respiradores no meio do mês, quando seria o pico da crise americana. O estoque do governo tinha 12 mil.
Essa previsão, no entanto, já foi revisada para 14 mil, mas hospitais por todo o país continuam a reclamar da falta do equipamento.