Com o mundo em quarentena, quais liberdades estamos dispostos a abrir mão em nome da segurança sanitária? Essa e outras questões prementes em tempos de pandemia foram discutidas nesta terça-feira (14), durante o primeiro painel virtual do Fórum da Liberdade. Concebida em formato digital para permitir que o tradicional debate sobre liberalismo ocorresse sem violar as regras de isolamento social, a edição especial do fórum reuniu o jornalista Pedro Bial, o filósofo Fernando Schüler e o escritor e cientista político João Pereira Coutinho.
Direto de suas casas, os três painelistas compartilharam com o presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), Pedro De Cesaro, e o diretor do Fórum, Roberto Andrade, visões da crise sanitária global e seus efeitos sobre a política, a economia e as liberdades individuais.
Para Coutinho, a emergência global serviu para demonstrar de forma definitiva que a ciência é mais importante do que qualquer pensamento mágico, mas também escancarou a nossa autoimposta fragilidade.
— Vivemos numa sociedade de medo, medo de tudo, de alimentos que causam câncer, do nosso lifestyle. Do que temos mais medo? Se alguém disser que tem a cura para a doença, mas precisamos abrir mão de liberdades fundamentais em troca da nossa segurança, quem toparia? Quem sabe dois anos sem liberdade de expressão? Acredito que uma boa parte da sociedade aceitaria — avalia Coutinho.
De acordo com Schüler, a proliferação do coronavírus fez as pessoas reinventarem suas liberdades individuais, a ponto de todo mundo vigiar todo mundo. O ambiente de desconfiança, aponta Schüler, propicia uma expansão do autoritarismo, sobretudo diante de um colapso econômico. O filósofo criticou a expansão desmedida dos gastos públicos sem um debate sereno sobre cada medida e lembrou que a recessão global dos anos 1930 fermentou o caldo político que deu origem ao fascismo e ao nazismo, traçando um paralelo com as pequenas liberdades que já foram corrompidas paulatinamente nos últimos 40 dias.
— A liberdade está em teste. Fico impressionado como abre-se a caixa de Pandora e todas as bruxas e males do mundo ficam expostos. Há um argumento autoritário. A ideia de que você, em nome do medo, de um estado de emergência e da exceção, passe a justificar como norma uma corriqueira intervenção na liberdade individual, seja nos direitos individuais ou nas relações econômicas — pontuou.
Mirando o futuro, os debatedores sugerem que a crise atual irá modular novas relações diplomática e sobretudo comerciais com a China, influenciando inclusive as políticas industriais de cada nação. A dependência da linha de montagem chinesa, com seus preços baixos e enorme agilidade, por exemplo, pode ser revista, principalmente nas áreas tecnológica e farmacológica.
— Não digo que vamos regressar àquela ideia de indústria nacional, mas vai haver um repensar entre as democracias se vale ou não a pena ter várias cadeias de produção muito dependentes de regimes que não são transparentes — opina Coutinho.
Já Schüler vislumbra novos aproveitamentos da tecnologia, com outras fórmulas de autorregulação digital propiciando redução da burocracia e simplificação dos processos em benefício da sociedade em geral.
— É um dos grandes caminhos para os cidadãos retomarem o controle na reorganização da sociedade. São novas formas que a tecnologia permite, que faculta poder ao indivíduo e permite autorregulação. É um processo de médio prazo que será acelerado nessa crise — alerta Schüler.
Ao final do painel, após mais de uma hora de análises, projeções e digressões filosóficas e conceituais acerca das incertezas contidas numa quadra inédita da história, coube a Pedro Bial encerrar o primeiro dia da edição especial do Fórum da Liberdade citando Simone de Beauvoir, ao resumir como a “pandemia vem humilhar o ego da espécie humana e mostrar o equilíbrio precário sobre o qual assentamos nossas estruturas”.
— O acaso tem sempre a última palavra — disse Bial, usando a sentença da filósofa para constatar: — Estamos sentindo isso na pele.
O segundo painel do Fórum ocorre nesta quarta-feira (15), às 12h, e pode ser assistido em facebook.com/forumdaliberdade e youtube.com/user/forumdaliberdade. Confira abaixo:
Quarta-feira (15) — 12h
Saúde & Economia
Painelistas: o jornalista Alexandre Garcia, o presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, que também preside o Instituto Coalizão Saúde, Claudio Lottenberg, e o cientista social Fernando Conrado.
Quinta-feira (16) — 12h
O Papel do Empreendedor
Painelistas: o empresário Jorge Paulo Lemann, o presidente do conselho de administração da Lojas Renner, José Galló, o co-presidente do conselho de administração do Itaú, Roberto Setubal, e o fundador e CEO do Nubank, David Vélez.