Até novembro, Vitória Eduarda Ferraz Frutuoso, 12 anos, nunca havia saído de São Leopoldo, sua cidade natal. Porém, neste final de ano, precisou viajar duas vezes até a cidade de São Paulo. A aventura, que deixou a mãe Paula Ferraz, 33 anos, de cabelo em pé, tinha um motivo muito nobre: Vitória estava em busca de uma das medalhas de ouro da 6ª Olimpíada de Língua Portuguesa. E conseguiu.
O feito não é inédito para o Estado, mas é a primeira vez que o Rio Grande do Sul saiu vencedor na categoria Poema. Em edições anteriores, trabalhos gaúchos foram premiados nas categorias Artigo de Opinião e Crônica.
Em 2019, a Olimpíada envolveu 42.086 escolas públicas do país e recebeu 171 mil inscrições. Depois de passar por cinco etapas, Vitória, que é estudante da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Dilza Flores Albrecht, no bairro Feitoria, além de outros 19 finalistas de todo o Brasil, receberam medalha de ouro pelos seus trabalhos. Apenas quatro – um deles Vitória – foram premiados na categoria Poema. A professora que a orientou no projeto, Cíntia Cristina Zanini, 44 anos, também conquistou o ouro pelo Relato de Prática, ou seja, pela metodologia usada para o desenvolvimento do trabalho da aluna.
Rotina lapidada
O tema da Olimpíada neste ano era "O lugar onde vivo". Os alunos deveriam falar sobre seus vínculos com a comunidade e aprofundar o conhecimento sobre a realidade local. Vitória escreveu sobre uma das linhas de ônibus que passa pelo seu bairro e sobre os cenários que está acostumada a ver. O poema recebeu o título de O Ônibus Feitoria Cohab.
— Eu já gostava de escrever poesias, mas era algo que fazia só para mim. Minhas colegas pegaram o que eu escrevia e mostraram para a profe. Não ando sempre de ônibus, mas passo bastante pela parada e construí o texto a partir daí — disse a aluna.
De acordo com Cíntia, o município tem um projeto de incentivo à leitura. Diversas atividades são desenvolvidas a fim de estimular a prática da leitura e da escrita entre os estudantes. Desde 2010, a Dilza Flores Albrecht é classificada em alguma categoria da competição.
— Temos a biblioteca que é nosso cérebro, nossa alma. Já havíamos conquistado a medalha de prata em outra edição da Olimpíada. Este ano tínhamos este tema, ela nos trouxe a ideia bruta e nós fomos trabalhando em cima dela, levando em conta os critérios solicitados pela Olimpíada. A Vitória tem uma maturidade nos versos que eu não costumo ver em outros textos — explica Cíntia.
A mãe da aluna conta que a filha ama fazer rimas e, muitas vezes, entra a madrugada escrevendo.
— Ela é muito tímida, escreve para as amigas delas e distribui. Quando voltou da viagem, entrou em um armazém e começaram a aplaudir. Ela disse que não queria mais voltar lá —diverte-se a mãe.
Vitória virou uma motivação para os colegas
Professora e aluna viajaram a São Paulo para a premiação final no dia 8 de dezembro. A divulgação e a entrega dos prêmios ocorreu no dia seguinte. Além das medalhas de bronze, prata e ouro que foram chegando a cada etapa vencida, Vitória ganhou um leitor de e-book e uma viagem, ainda a ser divulgada, no Brasil. A professora recebeu um notebook, um leitor de e-book e uma semana de imersão pedagógica internacional. A escola será beneficiada com um acervo de livros.
— Fiquei feliz e assustada ao mesmo tempo, eu nunca pensei que o meu poema um dia iria sair daqui para fora — confessa a garota.
A Olimpíada é uma iniciativa do Ministério da Educação e do Itaú Social, com coordenação técnica do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC). O concurso premia as produções de textos para alunos de escolas públicas nas categorias Crônica, Memórias Literárias, Poema, Documentário e Artigo de Opinião.
— Fico muito emocionada, pois agora os alunos olham para ela (Vitória) como uma motivação, de que eles também podem ir além. A educação é investimento e esse resultado é uma resposta do que a gente é capaz de fazer — conclui Cíntia.
O poema vencedor
O ônibus Feitoria Cohab
De 15 em 15 minutos
Um ônibus passa aqui em frente
O Feitoria Cohab
Levando e trazendo gente
Ronca ronca o motor
Brinquedo de carrossel
Segue a rota da vida
Pra poder chegar no céu
Desde o centro da cidade
Percorre a avenida inteira
Dobra no arroio Peão
Meu lugar da brincadeira
Na última rua ele entra
À direita, prédios cinzentos
É a primeira parada
Dos blocos de apartamentos
Avança e logo freia
Chega na parada 1
Eu corro por entre os blocos
Subo veloz e zum!
Escolho o banco pra sentar
Quero perto da janela
Pra ver a Cohab passar
Quer dizer, eu passar por ela
Ronca ronca o motor
Brinquedo de carrossel
Segue a rota da vida
Desenrola carretel
Logo ali já vem a 2
E com ela um quebra-mola
Grafite que salta aos olhos
No muro da minha escola
E é tanto quebra-mola
Sobe e desce, sobe e desce…
Gangorra quebrada na praça
Imagem que me entristece
Sinto o cheiro no ar
Do xis que não comi
É na terceira parada
Lugar que nunca desci
Olho as garotas da rua
Estão passando batom
Cuidando o outro lado
Onde alguém liga o som
Agora o postinho da 4
Vacina, hoje, não!
Vejo minha antiga escola
Amiga do coração
Ronca ronca o motor
Brinquedo de carrossel
Segue a rota da vida
E os rabiscos no papel!
Na curva da 5 pra 6
Sobe nela o pensamento
Estou mais alta que as casas
No rosto me bate o vento
Na 7 é calmaria
Mas já vou me preparando
Seguro firme no banco
Porque a lomba vem chegando
Iupiiiiii!
Sinto um frio na barriga
8, 9 e 10
Ah, já vai terminar a descida!
A 12 é a última parada
Dela não posso passar
Na 11 já fico atenta
É quase hora de saltar
As portas se abrem
Pulo e saio na corrida
Da parada 12 pra 1
A rua é muito comprida
Não posso me atrasar!
Entre os blocos vou voando
Lá vem outro carrossel
Meu Feitoria chegando
Ronca ronca o motor
Brinquedo de carrossel
Segue a rota da vida…
Um dia não desço na 12!
Um dia eu chego no céu!