Santos populares não faltam na América Latina. O fato de a maioria não ter reconhecimento do Vaticano quanto aos milagres a eles atribuídos parece pouco importar para as multidões que os seguem.
Mesmo no Rio Grande do Sul há santos populares em profusão. Confira três exemplos:
Os religiosos
Um dos casos mais conhecidos é o dos dois religiosos torturados e assassinados no início do século XX, período de revoluções.
O padre espanhol Manuel Gomez González era o pároco de Nonoai, cidade situada no extremo norte gaúcho. Era uma região de muita influência dos maragatos, revolucionários que desejavam depor o governo de Borges de Medeiros.
Mesmo avesso à violência e às questões partidárias, González abençoava integrantes das duas facções. Em 21 de maio de 1924 ele e o coroinha Adílio Daronch foram rezar uma missa em Três Passos (então ligada à paróquia de Nonoai) quando caíram numa emboscada. Consta que ela teria sido armada pelos provisórios, militares ligados aos chimangos de Borges. Foram amarrados a árvores, torturados e fuzilados.
A população do norte gaúcho logo começou a atribuir milagres aos dois. Como sofreram o martírio, foram beatificados em 2007 pela Igreja Católica, sem necessidade de comprovação dos milagres.
Os fuzilados
Cidade da Fronteira Oeste, São Gabriel tem em sua história um rico acervo de santos populares. O caso mais conhecido é o dos "irmãozinhos fuzilados", a quem é dedicada uma capela cheia de flores e placas por graças alcançadas no pátio do quartel mais antigo da cidade, o 6º Batalhão de Engenharia de Combate (6º BE Cmb). O pequeno santuário é dedicado a dois soldados fuzilados naquele pátio durante a década de 1850, quando o edifício do quartel abrigava o famoso e reconhecido 1º Regimento de Artilharia a Cavalo.
O primeiro foi o soldado Agostinho José de Meira. Vindo de Jaguarão (mas provavelmente oriundo do norte do país, segundo o historiador Osório Santana de Figueiredo), Meira discutiu em uma noite de 1852 com seus colegas e com seu oficial de dia no refeitório. Condenado a uma punição disciplinar de 20 chibatadas, esfaqueou o oficial encarregado de aplicar o castigo e, numa luta com a guarda, feriu outros três. Foi condenado à pena capital pelo Conselho de Guerra e executado em 8 de Novembro de 1853.
Em setembro desse mesmo ano, o soldado Joaquim José dos Santos, vindo de Rio Pardo, aguardando classificação e, portanto, sem vencimentos e em estado de miséria, foi condenado a pena disciplinar por desertar após haver roubado alguns colegas. Na aplicação do castigo, como Meira, também esfaqueou o major que supervisionava o ato. Esgotadas as instâncias de apelação da corte marcial, foi fuzilado no mesmo local de Meira, em 14 de dezembro de 1855. A lenda na cidade é de que ambos teriam sido sepultados no pátio do quartel, mas a hipótese é descartada pelo historiador Osório Figueiredo. O fato é que logo ambos passaram a ser referidos como os "irmãozinhos" fuzilados (não eram irmãos, o adjetivo pode ter simples conotação religiosa ou ter surgido para aludir ao trágico fim que os irmana) e a serem destinatários de promessas pelo povo.
O negrinho da Sanga Funda
Também em São Gabriel, há a história de um menino milagreiro cultuado pela crença popular. Pantaleão dos Santos, também conhecido como Antão, era um menino de 12 anos que, em certa manhã de 1908, foi enviado por seu pai de criação a buscar itens em uma venda.
Na altura da chamada Sanga Funda o garoto foi atacado por um militar desertor de nome João Paraguaio, fugitivo das fileiras do 1º Regimento de Artilharia a Cavalo (o mesmo no qual haviam servido meio século antes os "irmãozinhos"), interessado em roubar-lhe a montaria. Paraguaio apossou-se do cavalo e matou o menino a punhaladas. Depois, ainda degolou o cadáver, escondendo a cabeça em uma barranca distante do corpo. Os restos de Antão só foram descobertos dias depois, devido à revoada de corvos que chamou a atenção dos viajantes. O assassino fugiu até o Cerro da Cadeia, em São Sepé, e lá foi encontrado pela polícia e morto durante um tiroteio.
O horror da morte violenta a que Antão foi submetido deu início a um culto popular que mais tarde também levaria à construção de uma capela — erguida 40 anos depois, em paga de uma graça alcançada pelo então subprefeito da localidade de Cerro do Ouro, próxima ao local do crime.