SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - Alvo de incêndios que tomaram a região amazônica neste ano, o balneário Alter do Chão, no Pará, vive um cenário de devastação de áreas de proteção ambiental, pressão imobiliária e disputas em torno de uma legislação que permitiria a construção até de edifícios nas margens do rio Tapajós.
O balneário de 6.000 habitantes -que fica a 38 quilômetros da zona urbana de Santarém, oeste do Pará - é um dos principais destinos turísticos da Amazônia e chega a reunir até 100 mil visitantes na alta estação.
É conhecida por suas águas cristalinas, que lhe renderam o apelido de "Caribe brasileiro", pelas áreas de floresta e pela forte influência da cultura indígena. Desde meados dos anos 1990, passou a atrair todos os anos hordas de turistas, sobretudo de São Paulo.
Os recentes incêndios, contudo, acenderam o alerta da comunidade e das autoridades para uma possível nova ofensiva sobre áreas de proteção ambiental deste paraíso amazônico. O Ministério Público Federal suspeita que um dos focos dos incêndios tenha começado em área invadida por grileiros nas margens do Lago Verde, em uma região conhecida como Capadócia.
A área foi alvo de ocupações irregulares nos últimos anos, quando tentaram erguer no local um loteamento privado.
A investigação da Promotoria, iniciada, em 2015, resultou em denúncia contra o fazendeiro Silas da Silva Soares por desmatamento ilegal. Ele foi condenado a seis anos e dez meses de prisão, mas permanece foragido há um ano. A defesa do fazendeiro nega as acusações.
Nas margens do rio Tapajós, a área de proteção ambiental tem 86% da sua área coberta pela floresta e pelo cerrado amazônico, bioma considerado fundamental para o ecossistema da região. Ali, existem 475 espécies de árvores e mais de 500 espécies de animais, incluindo algumas ameaçadas de extinção como a onça-pintada e o maracajá-peludo.
"É uma área federal e de proteção ambiental, mas que vem sendo desmatada e vendida em lotes. Já embargamos este loteamento, mas as decisões são descumpridas, inclusive com hostilidade aos fiscais", afirma o procurador Camões Boaventura, do Ministério Público Federal do Pará.
As queimadas não são incomuns nas regiões de cerrado amazônico, pois o cerrado possui uma vegetação rasteira e mais seca do que da floresta. Especialistas, contudo, atestam que os focos de incêndio são, necessariamente, resultado da ação humana, seja ela dolosa ou acidental.
Ao todo, o fogo consumiu uma área equivalente a 1.600 campos de futebol e levou quatro dias para ser debelado por brigadistas e bombeiros. "Foi uma das maiores queimadas que tivemos nos últimos anos", afirma Daniel Gutierrez, coordenador da brigada de incêndio de Alter de Chão.
Além da pressão sobre áreas de proteção ambiental, o povoado de Alter de Chão também enfrenta uma disputa no campo legislativo em torno flexibilização das regras para construções no local.
Há dois anos, tramitou na Câmara de Vereadores de Santarém uma nova lei de uso e ocupação do solo que autorizava a construção de prédios de até seis andares em Alter do Chão, além da instalação de um porto no Lago do Maicá, santuário ecológico que é berçário de espécies de peixes e aves.
A mudança não foi adiante após protestos que uniram indígenas quilombolas, ambientalistas e empresários do segmento turístico.
"Foi um movimento propositivo, apartidário e horizontal que acabou dando certo. No final, aprovamos uma legislação razoável, nem xiita pra um lado nem para o outro", afirma Caetano Scannavino, coordenador da ONG Projeto Saúde & Alegria e morador de Alter de Chão.
Para a comunidade, diz, é imprescindível evitar o crescimento desordenado de um balneário de ainda enfrenta problemas básicos de infraestrutura.
A região, por exemplo, ainda padece com uma baixa cobertura de saneamento básico, que resulta em ligações clandestinas que despejam esgoto nos rios. Para o procurador Camões Boaventura, o crescimento do balneário precisa ser sustentável para que ele não perca a sua vocação turística.
"Alter do Chão não tem que ser como Copacabana ou Ipanema. Os turistas vêm por causa de suas belezas naturais. Desconfigurar essas belezas seria assinar uma carta de suicídio da região como destino turístico", afirma.
A reportagem entrou em contato com a secretária de Meio Ambiente de Santarém, Vânia Portela, mas não houve retorno às ligações da reportagem.