Poucas horas após a descoberta de uma antiga tubulação de concreto no subsolo de Ibirubá, no noroeste do RS, a prefeitura tratou de tapar o buraco aberto no centro da cidade. Diante da comoção popular com a suposta existência de túneis nazistas, o prefeito Abel Grave (PRB) temia que a curiosidade motivasse algum incauto a tentar desbravar os ramais subterrâneos.
— Não podemos correr nenhum risco — justificou Abel, em entrevista coletiva concedida na tarde desta quarta-feira (1).
Em tom comedido, o prefeito tentou conter o frenesi que percorria o município desde o final da manhã, quando o suposto túnel foi localizado. Para Abel, a escavação foi o ponto de partida para uma investigação mais minuciosa. A partir de agora, a prefeitura pretende contratar os serviços de geólogos e arqueólogos para que exames técnicos apontem o que realmente existe debaixo da terra na confluência das ruas Flores da Cunha e Getúlio Vargas.
Embora tudo indique tratar-se de uma antiga rede pluvial, não há nenhum registro na prefeitura daquela tubulação, tampouco na Corsan, autarquia que há 43 anos administra a rede de água e saneamento do município. De acordo com o soldado do Corpo de Bombeiros Bruno Santarém, que percorreu parte dos ramais, a tubulação é extensa, antiga e não tem marcas da passagem de água ou dejetos.
— Tem uma parede de tijolos, mas ela não bloqueia a passagem, mas sim funciona mais como um "L", usada para fazer a curva à direita. Logo adiante há um fluxo de água muito pequeno, vindo de uma outra entrada. Parece que alguém sabia que ali existia uma rede e fez uma ligação de esgoto — especula Santarém.
Para o jornalista Clóvis Messerschmidt, que há quatro anos investiga a suposta rede de túneis nazistas, a tubulação é uma prova de que Ibirubá abriga uma rede de ramais clandestinos usada no passado para abrigar dissidentes em fuga do 3º Reich.
— Eu creio que seja, sim, uma rota de fuga. Essa é mais uma evidência da existência dos túneis — afirma.
Preocupado em não frustrar expectativas, o prefeito é mais cauteloso:
— É uma história enterrada dentro do município, e tem de ser desvendada. Não estamos afirmando que existe um túnel. Tem muitas dúvidas, mas é uma possibilidade. Viramos mais uma página dessa lenda urbana. O mistério continua.
Quando a broca de 60 centímetros de diâmetro começou a perfuração em um dos pontos onde testes geológicos apontavam a existência de anomalias subterrâneas, o buraco aumentava à medida que o círculo de curiosos agregava cada vez mais gente.
O Bar do Saci, em frente à escavação, não abriu as portas. Mas o dono do estabelecimento, Adilson Ribas, não quis perder o espetáculo. De casa, a 10 quilômetros de distância, telefonou a um amigo pedindo que ele desviasse a visão da câmera de segurança do bar para o buraco, de forma que ele assistisse tudo do conforto do lar, sem sucumbir ao mormaço que fazia suar a multidão.
Não tardou para a broca alcançar a mesma parede de concreto da incursão anterior. Foi a vez da retroescavadeira entrar em ação, alargando a boca da escavação. Logo se descobriu que tratava-se de uma tubulação de concreto. Nenhuma autoridade local, contudo, sabia do que se tratava. Não era da rede de abastecimento de água, tampouco de esgoto, nem mesmo servia à coleta de água da chuva.
Apesar do esforço dos soldados do Corpo de Bombeiros, que tentaram quebrar o tubo com uma alavanca de ferro, uma marreta pequena, uma marreta grande e uma cortadeira de concreto, a estrutura resistia. Foi preciso mais de 20 batidas com os dentes da retroescavadeira para a parte superior do tubo ceder. Não corria água lá dentro, mas logo subiu um odor pestilento. A pureza do concreto, brilhante, e a resistência do tubo, com cerca de 10 centímetros de espessura, continuava intrigando as autoridades.
— Não é da Corsan. A nossa rede corre do outro lado da rua. Não é de ninguém, nem da prefeitura. Não consigo entender como isso foi parar aí — comenta a gestora da unidade local da Corsan, Lia Denise Timann.
Com a tubulação aberta, continuaram as escavações. Voltou a broca, perfurou mais um pouco. Voltou a retroescavadeira e continuou o serviço. Quando havia condições para descida humana, um bombeiro retornou ao buraco. Bruno Santarém entrou no tubo em direção ao fim da rua, andou alguns metros e voltou. Disse que a tubulação se estendia rua abaixo por vários metros. Ele então seguiu pelo outro lado da tubulação, em direção ao centro da cidade. Caminhou por cinco metros e voltou. Lá debaixo, deu a notícia:
— Tem uma parede de tijolos ali.
Ouviu-se um "óóóó" coletivo. Logo saltou alguém dizendo que já sabia, outro afirmando conhecer origem e destino do túnel, tudo coisa de nazistas, e a assessoria do prefeito, que até então evitava deixar o gabinete diante do risco de a escavação dar em nada, ligou dizendo que ele já podia ir à praça. Houve quem garantisse que um vereador que circulava por ali tinha dois discursos prontos, um para o caso de a operação ser um sucesso, outro se resultasse em fracasso.
Com máscara, lanternas e um tubo de oxigênio preso às costas, Bruno voltou aos subterrâneos. Foram minutos de suspense. Ao voltar, todo embarrado e suado, ele retirou a máscara fez o tão aguardado anúncio.
— Tem túneis. Segue até a parede de concreto, depois dobra à direita e se vai também. O caminho tem cerca de 1,5 metro de altura, todo de concreto e com malhas de ferro trançado por dentro. É uma construção antiga, robusta e bem feita. Em cima da parede de tijolos, de 1,5 metro por 1,5 metro, tem uma laje. Ao lado da parede, tem uma bifurcação que dá para a direita. Eu andei por ali mais uns quatro metros, mas ele segue. Eu fui sempre agachado. Não aconselho ninguém a descer. Mas sem dúvida é um túnel — relatou o bombeiro,
A multidão que se acotovelava ao redor do buraco acompanhava tudo hipnotizada, de olhos estalados. Há túneis nos subterrâneos de Ibirubá. E a cidade vai continuar em polvorosa por um bom tempo.