A morte da menina Ágatha Félix, de oito anos, reabriu a discussão sobre uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro: o abrandamento da punição a policiais e militares que cometam excessos no combate ao crime. A medida integra o pacote anticrime assinado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.
Neste domingo (22), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), lamentou a morte da menina e disse que o caso reforça a necessidade de "uma avaliação muito cuidadosa e criteriosa sobre o excludente de ilicitude que está em discussão no parlamento".
"Qualquer pai e mãe consegue se imaginar no lugar da família da Ágatha e sabe o tamanho dessa dor. Expresso minha solidariedade aos familiares sabendo que não há palavra que diminua tamanho sofrimento", escreveu o presidente da Câmara.
A criança foi baleada nas costas quando estava dentro de uma Kombi com a mãe, a caminho de casa, na noite de sexta (20), em uma localidade chamada Alvorada, no alto do Complexo do Alemão.
Parentes acusam a polícia de ter feito o disparo, com o objetivo de acertar um motociclista, mas o tiro atingiu a menina. A polícia diz que foi atacada por criminosos e houve troca de tiros. O caso está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios, que irá periciar fragmentos do projétil que atingiu a menina e as armas dos policiais.
O excludente de ilicitude mencionado por Maia está contemplado no pacote anticrime de Moro, que é analisado por grupo de trabalho na Câmara dos Deputados e também no Senado.
A proposta busca alterar o artigo 23 do Código Penal, que aborda as causas de exclusão de ilicitude — estado de necessidade, legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito —, e o artigo 25, de legítima defesa.
O grupo da Câmara, formado por 16 parlamentares, ainda não analisou a proposta do ministro, que prevê que o juiz possa reduzir a pena até à metade ou deixar de aplicá-la se o excesso do agente público ocorrer por "escusável medo, surpresa ou violenta emoção".
Em nota divulgada na tarde deste domingo, Moro também lamentou a morte, mas não fez referência ao seu projeto.
"O Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, lamenta profundamente a morte da menina Ágatha, é solidário à dor da família, e confia que os fatos serão completamente esclarecidos pelas autoridades do Rio de Janeiro. O governo federal tem trabalhado duro para reduzir a violência e as mortes no país, e para que fatos dessa espécie não se repitam", diz o texto.
Na Câmara, o então deputado Jair Bolsonaro apresentou, ao lado do filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), projeto em 2017 defendendo a excludente de ilicitude nas ações de agentes públicos em operação policial.
Procurado, o Planalto informou que o presidente, até o momento, não vai se manifestar sobre a morte de Ágatha, e que não comentaria a declaração de Maia.
Questionado sobre se o presidente considerava rever a posição envolvendo o projeto de excludente de ilicitude, a assessoria disse que estava apurando a informação.
O ministro do STF Gilmar Mendes se pronunciou sobre o caso na noite de sábado (21), por meio de sua conta no Twitter. "Uma política de segurança pública eficiente deve se pautar pelo respeito à dignidade e à vida humana", escreveu.
Durante a manhã de sábado, moradores do Complexo do Alemão foram às ruas protestar contra a morte de Ágatha e pedir o fim das operações policiais na região, que nesta semana resultaram em seis mortes.
No fim da tarde de sábado, a OAB-RJ divulgou nota criticando a política de segurança do governo Wilson Witzel (PSC).
"A OAB-RJ lamenta profundamente que horas antes da morte de Ágatha o governador tenha dito, conforme informou a imprensa, que promoveria 'combate e caça' nas comunidades", diz a entidade.
O texto refere-se a declarações feitas por Witzel em lançamento de esquema de policiamento presente em Bangu, na zona oeste do Rio. No evento, ele afirmou que criminosos "serão combatidos, serão caçados".