RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Ninguém citou o nome do presidente Jair Bolsonaro, mas nem precisava. Críticas ao tratamento dado à comunidade científica pelo governo deram o tom do 1º Prêmio CBMM de Ciência e Tecnologia, realizado nesta quarta (21), no carioca Museu do Amanhã.
Já na fala inicial, Pedro Moreira Salles, que preside o conselho de administração da CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), deu pistas de que a noite seria um grande desagravo àqueles que se sentem ameaçados pela escalada anticiência num país governado por autoridades que questionam se há mesmo aquecimento global ou se dados oficiais que mostram o desmatamento na Amazônia são obra de pesquisadores ideologizados.
"Não existe alternativa fora dos fatos e das evidências", discursou Pedro, um dos irmãos da família que controla a CBMM e também o Itaú Unibanco. "Um país que dê as costas para a razão e o conhecimento", segundo ele, está condenado a ser "pobre, doente e inseguro".
A primeira edição do prêmio homenageou Marcelo Viana, diretor-geral do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) e vice-presidente da União Matemática Internacional, e João Batista Calixto, professor-titular de farmacologia aposentado da UFSC e diretor do Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos.
Ao subir ao palco para receber a láurea, Calixto se disse triste por ver que o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) está "perdendo suas forças".
Dono de 24 patentes no Brasil e no exterior, ele é pesquisador da agência federal de fomento à pesquisa, que já informou: com a sangria de recursos, novas indicações de bolsas estão suspensas, e a previsão é encolher em 2019.
O órgão financia cerca de 80 mil bolsistas, situação que periga mudar com o aprofundamento do déficit de mais de R$ 300 milhões. O enxugamento orçamentário foi aprovado em 2018.
Para Calixto, vivemos um "momento de tantos extremismos", com "cortes sem precedentes" em recursos para educação e ciência. Mas por que não falar em "esperança de dias melhores para a comunidade científica"?
Calixto conseguiu ver um lado bom na situação lamentada por colegas: "Saímos mais fortalecidos das crises", pois elas nos ensinariam a ser humildes e fortificar parcerias.
Ele recebeu o prêmio das mãos do físico Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências, para quem falar em corte orçamentário é pouco. "É uma atividade anticiência forte, e é a ciência que vai superar isso."
Outro discurso enfático veio do matemático Artur Avila, que em 2014 ganhou aquela que é considerada o Nobel de sua área, a Medalha Fields.
Estamos num momento em que é difícil celebrar a ciência, disse antes de entregar um troféu para o colega Marcelo Viana, que é colunista da Folha.
Seria árduo omitir que "as notícias não são muito encorajadoras sobre a visão que certa parte da sociedade tem", hoje, sobre o objeto que todos estavam lá para enaltecer, o pensamento científico.
Mas o segmento está a postos para essa guerra, afirmou. "Temos um pessoal qualificado para quando o governo resolver engajar de novo com a ciência. Estamos preparados."
O americano Paul Romer, que ganhou em 2018 o Nobel de Economia, defendeu na única palestra da cerimônia que "há toda razão para ser otimista agora sobre o progresso da espécie humana".
É verdade que o mundo passa por uma fase turbulenta, reconheceu. "Há um tanto de polarização agora", um período em que "rumores de redes sociais, movimentos antivacina sem sentido", tomam um bocado de tempo e energia das pessoas.
"Mas as pessoas também podem se reconciliar. Já fizemos isso antes na história, e acredito que faremos de novo."
Para Pedro Moreira Salles, investimentos na ciência são a melhor solução para o desenvolvimento na humanidade. Ele lembrou de um desafio do presidente americano John F. Kennedy: "Vamos por um homem na lua não porque seja fácil, mas porque é difícil. [...] Penso então que devíamos também ousar."
Num ponto a principal acionista da CBMM, a família Moreira Salles, concorda com Bolsonaro. Todos curtem o nióbio.
A premiação exaltou o mineral xodó do presidente, que há anos vêm dizendo que o Brasil subaproveita suas reservas desse metal.
A empresa líder na produção mundial de nióbio é a CBMM, controlada pelo grupo Moreira Salles.