Em janeiro de 2009, há 10 anos, a fiscal de caixa Caroline Vargas, de 26 anos, dava à luz a filha Larissa no Hospital Nossa Senhora do Livramento, em Guaíba. Foi neste mesmo ano que a maternidade do hospital encerrou as atividades. A última criança nascida no local, conforme informação do Cartório de Registro Civil de Guaíba, veio ao mundo às 3h35min do dia 12 de agosto de 2009. Desde então, as mães que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS) deslocam-se para cidades vizinhas à procura de assistência para o parto, a grande maioria, em Porto Alegre.
Quando engravidou do segundo filho, seis anos depois, Caroline já não pôde contar com assistência hospitalar do município. Fez todo o pré-natal pela UBS da Vila Iolanda e ganhou Brayan, hoje com quatro anos, no Hospital Fêmina, na Capital.
— Com certeza preferia ter ganho aqui (em Guaíba), próximo dos meus familiares —comenta.
Amiga de Caroline, Stefanny Fagundes, de 19 anos, deu à luz a Alice no dia 12, no Hospital de Clínicas, em Porto Alegre. Foi por volta da 1h, quando teve o rompimento da bolsa, que um familiar foi chamado às pressas para levá-la para a Capital. Diante das incertezas sobre o tempo necessário para o nascimento dos bebês, as mães convivem com o medo e precisam enfrentar o trajeto de cerca de 30 quilômetro até chegarem em Porto Alegre. No caso de Stefanny, Alice nasceu cinco horas após o primeiro sinal. Durante os três dias em que mãe e filha ficaram no hospital, parentes precisaram se deslocar diariamente para assisti-las.
— O meu marido ficou lá direto, mas sempre se esquece de algo, precisa de alguma coisa. Aí, os familiares é que ficavam indo e voltando, gastando gasolina. Se ela tivesse nascido aqui, teria sido muito mais fácil — opinou.
Planos para nova maternidade
Há 10 anos, a maternidade e o bloco cirúrgico da instituição fecharam, e há quatro anos o hospital encerrou as atividades por completo. Em julho de 2015, sem recursos para manutenção e acumulando dívidas, a direção da instituição, em conjunto com o prefeito da época, Henrique Tavares, decidiu por fechar as portas. O motivo apontado foi a falta de repasses do governo do Estado e a não renovação do contrato.
Desde então, os atendimentos de rotina dos moradores da cidade também não são feitos em um hospital de verdade. O pronto-atendimento (PA) é que recebe os pacientes em casos emergência — em situações mais graves, o encaminhamento para a Capital é quase certo. O prédio que deveria abrigar o hospital é o mesmo onde está o PA. Ou seja, a unidade, com cerca de 300 leitos e até uma maternidade pronta e nunca utilizada, funciona parcialmente.
Segundo o secretário municipal de Saúde, Jocir Panazzolo, em abril deste ano ocorreu uma reunião com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em que houve a garantia por parte da União do custeio de 50% do hospital. Os outros 25% ficariam sob responsabilidade do Estado e 25% do município.
— Ainda estamos finalizando as tratativas com o Estado para começarmos a trabalhar com o alvará sanitário. Também temos que liberar o PPCI. O governo estadual ainda está definindo quais municípios serão referência para cada especialidade e dependemos disso. Avançou bastante, mas ainda não trabalhamos com prazo para abertura — explicou Panazzolo.
Enquanto não existe data para abertura da maternidade, as gestantes continuam planejando os partos na Capital. Com 36 semanas de gestação, Khettlen Nolasco, 19 anos, já se prepara para ganhar Lorena na cidade vizinha. Apesar de não ter definido para qual hospital irá, diz não se incomodar com a necessidade de deslocamento.
— Tive um bom pré-natal aqui, mas não gosto muito do atendimento pelo SUS na cidade, então prefiro mesmo que ela nasça em Porto Alegre — disse.
Prédio do Livramento está à venda
Após anos de serviços prestados à comunidade, o prédio onde um dia funcionou o Hospital Nossa Senhora do Livramento espera por uma nova função. Das janelas, é possível ver macas e cadeiras paradas acumuladas de sujeira. O prédio e o terreno estão à venda. Dois editais já foram lançados sem nenhum investidor interessado. Desde que a fundação que administrava o hospital sofreu intervenção, o antigo administrador judicial do hospital ficou responsável pelo local. Dentro da estrutura, além de bens móveis e equipamentos, está um extenso arquivo de documentos, com prontuários e papéis de departamento pessoal. Ex-funcionários que dependem de algum documento para aposentadoria, por exemplo, precisam acionar o responsável para acessar o que precisam.
— Todo o serviço de arquivamento médico e estatístico está lá dentro, e eu sou a única pessoa oficialmente autorizada a responder por isso. Há ainda um leiloeiro nomeado que está responsável pela venda — explica o responsável Arno Berger.
Segundo Berger, existe uma lei federal que obriga a todos os hospitais a fazerem a guarda dos prontuários por 20 anos. Mas ainda existem documentos com idade superior a essa guardados no arquivo morto. Os demais precisarão ser guarnecidos até o fim do prazo.
Outro problema decorrente dos anos de funcionamento e, que se prolonga desde o fechamento, relaciona-se à enorme dívida deixada pela instituição. Berger estima que esse valor esteja em cerca de R$ 40 milhões de passivos trabalhistas (fundo de garantia, INSS) e de fornecedores (CEEE, Corsan). Mesmo que a venda de todo o patrimônio ocorra, nem de perto será possível liquidar os débitos.
— Eu acredito que não vai saldar nem a dívida trabalhista. Como isso vai ficar? Não sei.