LIMA E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou nesta sexta (17) ter encontrado problemas em contratos de ONGs com o Fundo Amazônia e querer mudanças na escolha dos projetos beneficiados.
O anúncio, feito em entrevista coletiva em São Paulo, no auditório do Ibama, porém, pegou de surpresa Noruega e Alemanha, os dois países doadores do Fundo Amazônia.
O fundo é o maior projeto de cooperação internacional para preservar a floresta amazônica. Em dez anos, recebeu R$ 3,1 bilhões em doações --93,3% desse dinheiro veio da Noruega. O valor, gerido pelo BNDES, é repassado a estados, municípios, universidades e ONGs.
O cálculo para a doação da Noruega é baseado em resultados --quanto mais redução no desmatamento, maior o valor da doação. Para chegar ao valor, o Ministério do Clima e Meio Ambiente do país escandinavo utiliza um nível de referência de desmatamento em km2.
Tanto Noruega quanto Alemanha desmentiram a afirmação de Salles de que estavam cientes desde o início das informações apresentadas à imprensa. "Ontem conversei com eles sobre a informação de hoje. Eles têm acesso ou terão em uma profundidade que nós não podemos divulgar."
Segundo o ministro, as conversas com os países doadores do fundo devem ser aprofundadas na próxima semana.
"Não fomos contatados a respeito nem recebemos nenhuma proposta para mudanças na governança do fundo. Portanto, não concordamos com nenhuma mudança", informou a embaixada da Noruega em Brasília, em nota nesta sexta (17).
A Folha apurou que a Alemanha tampouco foi informada com antecedência sobre o teor da entrevista coletiva.
Nela, Salles afirmou que a a análise de contratos do fundo com entes governamentais e ONGs encontrou problemas como concentração de recursos em pagamento de pessoal, gestão, viagens e treinamento. Ele afirmou que no universo dos contratos analisados há uma concentração média de 40% a 60% em gastos dos contratos com mão de obra.
"Isso nos parece uma absorção muito elevada", diz Salles. "Há destinações importantes [entre os contratos], mas há falta de estratégia na escolha desses projetos, eles não conversam entre si."
Apenas 2% dos contratos do Fundo Amazônia foram analisados, segundo Salles. O ministro não citou as entidades analisadas e não especificou como os contratos foram escolhidos para a análise.
No ano passado, o TCU (Tribunal de Contas da União) realizou uma auditória no fundo e concluiu que, "de maneira geral, os recursos do Fundo Amazônia estão sendo utilizados de maneira adequada e contribuindo para os objetivos para o qual foi instituído."
A auditória do tribunal analisou in loco a atuação de entidades e de um projeto do governo do estado do Pará.
"Os projetos desenvolvidos pelas instituições do terceiro setor amostrados ocorrem em lugares longínquos, mais precisamente em áreas remotas da região Amazônica. São lugares extremamente carentes onde a presença do Estado é mínima. No contato com as comunidades abrangidas nesses projetos percebeu-se a importância das ações desenvolvidas, bem como a seriedade como eles são executados, com a produção de resultados efetivos para as comunidades beneficiadas", afirma o relatório do TCU.
Em fevereiro, Salles disse que acionou a CGU (Controladoria Geral da União) para obter documentos sobre o Fundo Amazônia.
Nesta sexta (17), afirmou que a análise feita pelo MMA será repassada à CGU (Controladoria Geral da União), ao TCU (Tribunal de Contas da União) e ao BNDES, órgãos que poderiam tomar ações concretas. "Não vamos recomendar [o que fazer] porque não é nosso papel. Levantamos as fragilidades", disse.
Questionada pela reportagem, a CGU afirmou que não se envolveu na análise do MMA. "A CGU não efetuou testes de auditoria sobre esses contratos ou avaliou os resultados que serão apresentados. As conclusões são de exclusiva responsabilidade do MMA", afirma em nota.
Salles também reconheceu o impacto de alguns projetos contra, mas disse que a diminuição do desmatamento associado ao fundo é uma "questão interpretativa", sem comprovação. O ministro diz querer melhores ferramentas de mensuração de impacto.
O ministro e o presidente Jair Bolsonaro têm lançado reiterados ataques contra ONGs, principalmente as que atuam na Amazônia. "A [terra indígena] ianomâmi é riquíssima. Por isso que tem ONG dizendo que tá defendendo índio lá. Se fosse uma terra pobre, não teria ninguém lá", disse o presidente, no final de abril, em pronunciamento ao lado de indígenas.
"Como é rica, tá lá esses picaretas internacionais [sic], picaretas dentro do próprio Brasil, picaretas dentro do governo dizendo que protegem vocês", completou.
Em 2 de janeiro, Bolsonaro incluiu nas atribuições da Secretaria de Governo, a cargo do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, o monitoramento de ONGs e organismos internacionais. A modificação está na medida provisória 870, em tramitação no Congresso.
"O conjunto de ilações feitas por Salles e seu ataque a mais uma instituição ambiental alimenta a desconfiança nos doadores e o resultado pode ser o fim dos repasses ao Brasil", afirma em nota o Observatório do Clima, uma rede de 47 organizações da sociedade civil, incluindo "WWF e ISA (Instituto Socioambiental). "As regras rígidas do Fundo Amazônia foram criadas pelo BNDES para dar segurança aos doadores de que não haveria ingerência política no fundo".