SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O advogado Ricardo Sayeg, professor livre docente da PUC-SP, considera triste, mas absolutamente necessário o decreto do presidente Jair Bolsonaro que flexibilizou as regras sobre o direito ao porte de arma.
"A situação atual é insuportável", diz ele. "Bolsonaro está assegurando aos brasileiros o direito fundamental à legítima defesa", afirma.
Ex-presidente da comissão de direitos humanos no Instituto dos Advogados de São Paulo, Sayeg diz que, considerando o processo civilizatório, seria almejável que o Estado detivesse o monopólio do uso da força. "Mas não é o que acontece".
PERGUNTA - O que o sr achou do decreto que flexibiliza as regras sobre o direito ao porte de arma?
SAYEG - Recebi a notícia do decreto com profundo pesar. Contudo, a situação atual, insuportável, torna necessária esta triste flexibilização para se assegurar aos brasileiros o direito fundamental à legítima defesa. A pessoa de bem encontra-se absolutamente vulnerável diante da manifesta ineficiência do Estado, que permite aos bandidos e aos psicopatas portarem livremente armas de fogo.
A realidade é que o sistema legal atual trata o bandido em condições mais favoráveis do que a pessoa de bem. Enquanto o bandido porta livremente o armamento, a pessoa de bem não tinha até então a liberdade de sequer optar se deseja ou não portar uma arma. A situação é caótica e o presidente Bolsonaro, estabelecendo critérios rígidos no decreto busca corrigir essa desigualdade, que de um lado favorece o bandido e do outro restringe a pessoa de bem.
O presidente Jair Bolsonaro, seu vice, Hamilton Mourão, e os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Fernando Azevedo (Defesa), Sergio Moro (Justiça), durante assinatura de decreto presidencial que flexibiliza para armas
P - O senhor considera a posse de arma de fogo como um direito básico do cidadão?
SAYEG- Legítima defesa não é homicídio. Sob a perspectiva da legítima defesa, viola o princípio constitucional da isonomia e da dignidade da pessoa humana a liberdade que a bandidagem tem de portar armas, enquanto as pessoas de bem não a tem. Diante da ineficiência do Estado, não há como negar o direito da pessoa de bem se defender por todos os meios possíveis, atendidos os requisitos legais.
Mas considerando o processo civilizatório, o monopólio da força pelo Estado não é algo almejável? Bolsonaro não está indo contra esse princípio?
O monopólio da força pelo Estado é algo almejável quando funciona. Hoje o Estado disputa o monopólio da força com as facções criminosas, cujos líderes entregam abertamente armas de fogo para os seus soldados saírem pela cidade apavorando a população, porque todos nós sabemos que basta tentar fugir deles para tomar uma saraivada de chumbo quente.
P - A posse de armas por civis aumenta ou reduz a segurança dos cidadãos em geral?
SAYEG - A questão não é essa. Bolsonaro está cumprindo uma promessa aos brasileiros, concedendo às pessoas de bem a liberdade de legítima defesa que os norte-americanos já possuem desde o século 18. Nos Estados Unidos, se a bandidagem começar a invadir as casas das famílias, assim como está invadindo os prédios e as residências de São Paulo, apavorando a população, certamente seria recebida com uma salva de tiros, e talvez por isso lá pense mil vezes antes de tal prática.
Naquele país em que a população tem acesso à saúde, moradia, alimentação e emprego, a segunda emenda constitucional, desde o século 18, até os dias de hoje, garante o direito do cidadão de portar armas. Nem por isso Washington transformou o país num bangue-bangue.
P - No caso de uma altercação, o uso de armas não aumenta o risco de uma tragédia?
SAYEG - Infelizmente sim. Porém, ou desarmamos os bandidos, que seria o mais correto, o que, contudo, com essa ineficiência estatal, é inviável, ou há de se liberar as pessoas de bem para que se defendam por todos os meios possíveis.
P - O ministro Sergio Moro disse que a medida não tem nada a ver com política de segurança pública. O sr. concorda?
SAYEG - Concordo integralmente. Tem a ver com a garantia da legítima defesa, que é direito fundamental do cidadão.
P - Ao incluir jornalistas dentre as profissões com direito à posse de arma, o presidente não coloca os profissionais em situação de risco? Imagine um jornalista acompanhando uma operação policial. Não vai virar alvo também?
SAYEG - Creio que não. Se o psicopata assassino resolver atirar nas pessoas, com certeza não irá parar para identificá-las.
P- O desembargador aposentado Wálter Maierovitch afirma que o decreto é ilegal ao estabelecer profissões que têm direito ao porte. Diz que a lei do desarmamento estabelece que o requerente do porte de arma deve demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física. Ao definir as profissões, não estaria contrariando a lei?
SAYEG - Não. O decreto mantém esse requisito da necessidade em relação a toda e qualquer profissão. O presidente tem fé pública e o seu critério simplesmente estabelece uma presunção de tal necessidade. Não há quebra da igualdade para pior, como ocorria antes, e sim, a manifestação do critério presidencial para dar efetividade ao direito de quem o nosso presidente entende que efetivamente necessite.
P - As mudanças não deveriam ter sido propostas por meio de projeto de lei?
SAYEG - Não, em absoluto. O presidente Bolsonaro está dentro de suas prerrogativas de regulamentar o Estatuto do Desarmamento, como autoriza o artigo 84, caput, inciso 4, da Constituição. Não lembro de a esquerda usar esse argumento quando, em 2008, o presidente da época regulamentou o mesmo estatuto, pelo decreto nº 6.715.
P - Todo esse movimento não é uma cortina de fumaça para as dificuldades do governo, sobretudo nas discussões sobre a reforma da previdência?
SAYEG - Não. Todo o Brasil sabe que este cumprimento de promessa por parte do presidente é sincero e bem intencionado.