A Casa do Estudante Universitário Aparício Cora de Almeida (Ceuaca), a mais antiga em funcionamento em Porto Alegre, vive anos de penúria. Desde 2014, quando a residência oficial na Rua Riachuelo foi fechada por problemas estruturais e falta de um Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI), os moradores foram sendo remanejados para imóveis alugados pelo governo do Estado. No entanto, desde o ano passado, com a interrupção no pagamento dos aluguéis, os estudantes passaram a receber ordens de despejo e foram obrigados a deixar três dos 10 imóveis arrendados. A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) disse que os contratos dos aluguéis foram rescindidos em dezembro de 2018 pela gestão anterior.
Cerca de 60 alunos moravam na Ceuaca em 2014, hoje restam 25. Vinte ainda residem em seis apartamentos localizados na Rua Marechal Floriano Peixoto e cinco em uma casa na Rua General Portinho, ambos no Centro Histórico da Capital. A incerteza sobre a manutenção do benefício angustia os moradores, que têm procurado apoio de deputados e da Defensoria Pública para resolver o problema.
— É complicado estar nessa situação, eu não sei quando vou ser despejada, eu não sei se vou ter casa no dia seguinte, é muita pressão. Muitas pessoas já estão saindo por conta, mas outras não têm o que fazer — explica a diretora da Casa, Letícia Salvi, 21 anos.
A Casa do Estudante é ocupada por alunos de diversas universidades, públicas e particulares, oriundos do interior do Estado e até de fora do país. Letícia veio de Coqueiro Baixo, uma cidade de 1,5 mil habitantes no Vale do Taquari, para cursar administração na UFRGS.
— Eu entrei em 2015, quando o pessoal já estava nessa situação, espalhados nesses imóveis aqui no centro da cidade. E agora vivemos assim, nos perguntando: seremos despejados quando? Não temos ideia — questiona Leticia, que ainda está na metade da graduação.
Auxiliando há mais de 80 anos
Segundo os estudantes, o governo de José Ivo Sartori teria afirmado não ter interesse em reformar a casa localizada na Rua Riachuelo. Com os recursos despendidos nos aluguéis desde então, afirmam, seria possível ter dado o pontapé inicial nas obras da antiga casa.
— Teríamos a capacidade de atender muito mais pessoas. Se conseguíssemos reformar a casa, ela teria capacidade para mais de cem estudantes. No projeto feito em 2014, o térreo da casa seria aberto para a comunidade e as moradias ficariam no 1°, 2° e 3° andares — explicou a diretora.
Se conseguíssemos reformar a casa, ela teria capacidade para mais de cem estudantes.
LETÍCIA SALVI
Diretora da Ceuaca
A Ceuaca é autogerida e para morar o estudante precisa ter baixa renda. Os moradores concordam que retornar para casa da Rua Riachuelo, sem manutenção, é inviável, mas apostam na continuidade do projeto que auxilia estudantes há, pelo menos, 80 anos.
O imóvel, conforme declarado pela Seduc, já foi desafetado para a Secretaria de Estado do Planejamento e Gestão (Seplag) e, atualmente, é objeto de tratativas de cessão de uso para a prefeitura de Porto Alegre.
Sem novos moradores
A colombiana Johana Rivera Alzate, 35 anos, foi acolhida pela Ceuaca há dois anos. A engenheira agrônoma deixou Medellín para fazer mestrado em Desenvolvimento Rural na UFRGS. Sem emprego e sem bolsa, optou pela Casa por uma questão econômica. Apesar de estar em vias de defender a dissertação e retornar para casa, reafirma a importância da manutenção da Casa para estudantes de baixa renda.
— Queremos mostrar que a Ceuaca cumpre uma função social e dá teto para muitos estudantes que não têm recursos para ficar aqui. Aqui, encontramos suporte, se não fosse desta forma, não sei qual seria a alternativa — justificou.
Johana mora sozinha em um apartamento de dois dormitórios no Centro de Porto Alegre. Teria capacidade para receber, pelo menos, mais três moradores. Mas, por orientação da Defensoria Pública, que sugeriu que os estudantes não abrissem novas vagas na Casa até que a estabilidade fosse garantida pelo Estado, as seleções estão fechadas.
A defensora Isabel Rodrigues Wexel, que acompanha o caso, diz que irá sugerir ao Ministério Público e Estado uma doação com encargo, o que significa que alguma instituição, uma universidade, por exemplo, poderia ficar com o imóvel, utilizar para o fim que desejar, desde que destinasse um espaço para a moradia de estudantes. Isabel destaca que o fim da Ceuaca é, inclusive, uma quebra de diplomacia entre países, pois afeta universitários estrangeiros atendidos pela entidade.
— Essa situação merece ser denunciada, mas tenho esperança de que ainda possamos resolver por aqui — disse.
Não há obrigação
A Procuradoria do Estado informou que inexiste decisão judicial determinando que o Estado forneça qualquer tipo de abrigo aos estudantes que, inclusive, estão há muito tempo cientes tanto da doação pelo Estado, como da consequente necessidade de desocupar os imóveis alugados.