Depois de ouvir cerca de 50 pessoas, produzir 2,5 mil páginas e 12 volumes em 55 dias de investigação, a Polícia Federal em Minas Gerais deve dividir o inquérito sobre a tragédia causada pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), em duas partes. A primeira para apurar os chamados crimes de falso (falsidade ideológica e produção de documento falso) e a segunda para investigar os crimes ambientais e os homicídios.
Para o delegado responsável pelo caso, Luiz Augusto Pessoa Nogueira, não resta dúvida quanto aos crimes de falsidade ideológica e uso de documentos falsos.
— Os crimes de falso já existem bastante elementos para provar que eles aconteceram, comprovar materialidade, autoria e circunstância. Em relação aos crimes ambientais e de homicídio, eles demandam ainda algumas perícias que são mais complexas, mais demoradas e, eventualmente, outras oitivas — disse o delegado.
Entre esses elementos estão todos os documentos colhidos com a Vale, Tüv Süd e outras cinco empresas de auditoria externa, além da recomendação feita pelo painel de especialistas montado pela própria mineradora, depois do rompimento na barragem de Fundão, em Mariana, no ano de 2015.
Há ainda a meta colocada como critério de segurança pela própria mineradora, definindo que todas as barragens teriam que ter fator de segurança mínimo de 1,3. A barragem B1 de Brumadinho foi a única que não alcançou a meta, marcando 1,09.
O crime de falsidade ideológica teria ocorrido no momento em que a empresa alemã Tüv Süd produziu um laudo atestando a segurança da barragem, mesmo sabendo dos problemas que ela apresentava. O uso de documento falso ocorreu quando a Vale, também ciente da situação da estrutura, apresentou o laudo aos órgãos responsáveis pela fiscalização.
Segundo o delegado, a previsão é de que esta primeira parte seja concluída entre o fim de março e começo de abril. A estimativa é que sejam indiciadas entre seis e oito pessoas pelos crimes.
O próximo inquérito deve ser instaurado assim que o primeiro for concluído e será voltado à investigar os crimes de dano ambiental causados pela lama e os homicídios. O rompimento da barragem na mina Córrego do Feijão deixou 209 mortos e 97 desaparecidos, até o momento.
A questão que a investigação busca responder neste caso é se o homicídio foi doloso ou culposo. Ou seja, se a Vale assumiu o risco pelas mortes das pessoas que trabalhavam no local e viviam na região ou se foi um acidente.
Samarco
No rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, a PF indiciou nove pessoas por homicídio com dolo eventual, já o Ministério Público Federal em Minas Gerais denunciou 21. Porém, uma decisão de outubro do ano passado da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) mudou a classificação jurídica para inundação com resultado morte.
A decisão julgou o caso de um dos réus, André Ferreira Cardoso, representante da BHP Billiton no comitê gestor da Samarco. O precedente que ela abriu, porém, preocupa a polícia no caso da mina Córrego do Feijão.
— Minha investigação vai ser para apurar crime de homicídio. O resultado que vou obter, se foi doloso ou culposo, só vamos ter ao final das investigações. Portanto, vamos ter que construir todo o lastro probatório para formar essa convicção, que hoje ainda não tenho — afirma o delegado.
Segundo ele, a tragédia em Mariana, que deixou 19 mortos, foi um grande aprendizado para a Polícia Federal. Na apuração da tragédia em Brumadinho, houve maior integração entre os órgãos de investigação e cooperação desde o início com a empresa causadora, a Vale, por lições do processo.
Na semana passada, a PF ouviu o presidente afastado da Vale, Fábio Schvartsman, e o ex-diretor, Peter Poppinga. Os dois afirmaram que desconheciam os riscos na barragem de Brumadinho. Schvartsman declarou aos investigadores que a mineradora deve ser punida se tiver culpa.
— Na minha visão, os crimes são todos conexos. Existe esse questionamento, que seriam crimes independentes e autônomos, mas, nesse caso específico, há uma conexão muito forte entre eles. Por questão de estratégia, devem ir (em inquéritos) separados — explica Luiz Augusto.