Suspeitas de erros em exames de pré-câncer em Pelotas, no sul do Estado, levaram a Polícia Federal (PF) a entrar no caso. Supostas irregularidades em laudos vieram a público na semana passada com a divulgação de um memorando assinado por médicos e enfermeiros da Unidade Básica de Saúde (UBS) Bom Jesus.
O documento, datado de julho de 2017, indica que desde 2014 todos os exames de colo uterino encaminhados ao laboratório responsável pelas análises — Serviço Especializado em Ginecologia, SEG — tiveram resultados negativos. Ou seja, nenhuma mulher apresentou indícios de doença. Desde 2006 sempre ocorreu, ao menos, um registro. Em 2009, por exemplo, foram 17 casos constatados em pacientes atendidos na UBS Bom Jesus.
A desconfiança sobre a validade dos exames realizados pelo SEG, de Pelotas, convulsionou a cidade. A Câmara de Vereadores vai abrir uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) e o Ministério Público Estadual já investiga o caso.
O episódio levou ao afastamento na segunda-feira (16) da secretária municipal de Saúde, Ana Lúcia Costa — oficialmente, entrou em férias de 15 dias — e a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) assumiu interinamente a função. Ela estava em férias (passaria cinco dias em um curso nos Estados Unidos), mas interrompeu a viagem e retornou à cidade em razão do episódio.
— Esta denúncia é gravíssima. Precisamos dar respostas, e estou envolvida pessoalmente na investigação. Se teve fraude, a primeira vítima é o poder público que contrata e paga pelo serviço — afirmou Paula.
A prefeita disse não acreditar que exames fossem feitos por amostragem pelo SEG, defendeu a investigação dos números e afirmou que a redução de exames com indicativos da doença pode ser resultado de inúmeros fatores, como menor procura de pacientes.
— Existem exames com possibilidade de erro de 2% a 50% dependendo de falhas de coleta, de armazenagem, de transporte e da análise. Isso não configura fraude do laboratório — disse.
Na segunda-feira (16), o chefe da PF em Pelotas, delegado Cassio Berg Barcellos, esteve reunido com a prefeita, solicitando o repasse de informações.
— A PF vai investigar porque os recursos da saúde são federais. O delegado pediu documentos e vamos fornecer a ele. Conto com a PF, com o Ministério Público e estamos apoiando a CPI na Câmara — garantiu Paula.
Conforme a prefeita, o SEG é conveniado com a prefeitura de Pelotas desde 2000, é o único credenciado pelo SUS na zona sul para este tipo de exame, e, no ano passado, teve renovado o alvará de funcionamento pela Vigilância Sanitária. A prefeita lembrou que a Secretaria de Saúde, ao receber o memorando da UBS Bom Jesus, em julho de 2017, solicitou ao SEG relatórios de monitoramento que foram conferidos pelo próprio laboratório — em um percentual de 10%— , e que nada de anormal foi constatado.
Agora, em caráter de urgência, a prefeita disse estar solicitando nova checagem dos relatórios por outros profissionais de saúde. Paula enfatizou que, mensalmente, são realizadas cerca mil coletas para exames pré-câncer nos 50 postos de saúde de Pelotas — em média, de 300 a 350 na UBS Bom Jesus — e que será contratado emergencialmente outro laboratório para refazer mil exames realizados pelo SEG. Paula explicou que as lâminas com o material coletado orginalmente estão em poder do SEG, acreditando estar armazenadas em condições adequadas.
Responsável pela Promotoria dos Direitos de Idosos, Deficientes Físicos e Mentais e da Saúde Pública, a promotora Rosely de Azevedo Lopes vai apurar responsabilidades no âmbito cível, como suposta improbidade administrativa. Segundo ela, a PF deverá se dedicar a investigar eventuais prática de crime.
Nesta terça-feira (17), a promotora esteve em reunião com uma advogada, representante do laboratório SEG, e nesta quarta-feira (18) terá um encontro com a prefeita. Até a próxima segunda-feira (23), a Secretaria Municipal de Saúde terá de entregar uma série de documentos solicitados pela promotora, como número de exames realizados mensalmente, nomes de pacientes, cópia do contrato da prefeitura com o SEG e valores pagos.
Rosely pretende ouvir pacientes, incluindo a mãe de uma mulher de 33 anos que morreu em janeiro, supostamente vítima de câncer de colo do útero. A vítima teria se submetido a uma exame cujo resultado não teria apontado a doença.
Por meio de nota, o SEG informou que nunca deixou de fazer uma análise solicitada pela UBS de Pelotas e região " nos 40 anos que atende a rede pública de saúde". A empresa também destaca que todas as lâminas examinadas estão guardadas, conforme determina a lei, e à disposição das autoridades. No comunicado, o laboratório afirma "total apoio à instalação de uma CPI na Câmara de Vereadores para que se demonstre todo o processo de exames pré-câncer" e que vai solicitar ao Ministério Público investigação rigorosa sobre o caso.
"Por fim, pede às mulheres que não deixem de realizar os exames pré-câncer e acreditar no Programa, pois tudo será devidamente esclarecido", diz trecho da nota.
O laboratório também encaminhou à Câmara de Vereadores de Pelotas, onde coloca técnicos da empresa à disposição da CPI.
"Sugerimos, ainda, que nossa participação na CPI, seja acompanhada por técnicos laboratoriais, médicos ginecologistas e citopatologistas à escolha de Vossas Senhorias', diz trecho dos comunicado aos vereadores.
Leia a nota na íntegra:
O Laboratório SE – Serviço Especializado de Ginecologia vem a público declarar que:
1. NUNCA deixou, sequer, de fazer uma análise enviada pelas UBS de Pelotas e região nos 40 anos que atende a rede pública de saúde.
2. Tem guardadas TODAS as lâminas examinadas, conforme manda a lei, e à disposição de todas as autoridades.
3. Manifesta total apoio à instalação de uma CPI na Câmara de Vereadores para que se demonstre todo o processo de exames pré-câncer, desde a coleta de material na UBS até a entrega do laudo à usuária.
4. Solicitará ao Ministério Público que providencie investigação rigorosa acerca do que foi veiculado em jornal local.
5. Por fim, pede às mulheres que não deixem de realizar os exames pré-câncer e acreditar no Programa, pois tudo será devidamente esclarecido.