Dos quatro cubanos envolvidos em um grave acidente em Santa Vitória do Palmar, no extremo sul gaúcho, ao menos três deles tinham parentes ou amigos em Miami, nos Estados Unidos. Embora a versão oficial seja de que eram turistas, o contexto atribui um caráter migratório aos caribenhos — três deles perderam a vida no Rio Grande do Sul. É da cidade norte-americana que os familiares iniciaram contatos com a Santa Casa de Rio Grande e com o Instituto Médico Legal (IML) para tratar do futuro do único sobrevivente e da remoção dos corpos das três vítimas.
Na segunda-feira, 1º de janeiro de 2018, Armando Sosa Gonzalez (24 anos), Osmani Hidalgo Leyva (21), Reynaldo Delgado Díaz (45) e Niurka García Roque (46) desembarcaram no Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, e tomaram um táxi – após tentarem comprar passagens de ônibus na rodoviária – rumo ao Chuy, no Uruguai. Em Santa Vitória do Palmar, no km 636 da BR-471, chocaram-se violentamente com um Fiesta. No Cobalt que conduzia os cubanos, o único sobrevivente foi Armando. Morreram, além do motorista brasileiro, os outros três compatriotas. No Fiesta, três brasileiros morreram somando sete vítimas fatais.
Armando está na UTI da Santa Casa de Rio Grande em estado regular. Seu quadro é estável. Está lúcido, recuperando progressivamente os movimentos, mas não há previsão de alta devido ao politraumatismo sofrido. O irmão do sobrevivente cubano se chama Adrián Sosa Gonzalez, natural de Matanzas, cidade urbanizada da ilha caribenha que fica entre a capital Havana e a paradisíaca Varadero. Ele vive atualmente em Miami, na Flórida, onde trabalha no ramo do transporte. Desde terça-feira, Adrián está em contato com o hospital, usando principalmente o Facebook. Ele, que já havia tomado ciência do trágico acidente antes de falar com a casa de saúde, informou que viajará dos Estados Unidos até Rio Grande na próxima semana, sem precisar o dia. Além de visitar o irmão, ele deseja recolher os pertences e documentos que estão na Polícia Civil de Santa Vitória do Palmar. Armando carregava junto ao corpo a quantia de US$ 3,5 mil. Nos seus documentos, constava um pedido de visto aos Estados Unidos. Um certificado de formação em culinária também estava na bagagem.
Na UTI da Santa Casa, Armando tem recebido diariamente a visita de um profissional cubano que está trabalhando e residindo em Rio Grande. Pelo programa do governo federal Mais Médicos, ele é contratado para atender na Unidade Básica de Saúde do Povo Novo. Nos encontros diários, o profissional ajuda na comunicação. As idas à UTI não são apenas gestos de solidariedade a um compatriota em apuros no Exterior: Armando e o médico já se conheciam há mais tempo. Eles mantêm laço de amizade.
Nesta quarta-feira (3), Armando foi interrogado brevemente pela Polícia Federal na unidade em que se recupera. As informações são de que a conversa foi superficial, com respostas evasivas. Ainda não é de conhecimento das autoridades o caminho que ele seguirá com seu irmão Adrián depois de receber alta hospitalar.
Entre as vítimas fatais, Reynaldo e Niurka formavam um casal. Eles eram confeiteiros e padeiros. Seus corpos estão no IML de Rio Grande desde a noite de segunda-feira. De um relacionamento anterior, o homem deixou um filho. Também de um relacionamento passado, a mulher, Niurka, tinha três filhos. Eles estão com 18, 19 e 30 anos, todos moradores de Miami atualmente. Nesta quarta e quinta-feira, o irmão de Niurka, também residente na cidade litorânea dos Estados Unidos, fez contatos com o hospital e o IML em Rio Grande. Para driblar dificuldades de idioma, quem faz a interlocução para tratar da remoção é um brasileiro igualmente radicado em solo norte-americano.
Ele está negociando com um agente funerário da cidade o traslado dos corpos para Cuba, mas a família está com dificuldade para reunir os recursos necessários para os dois corpos. Até agora, a busca por apoio financeiro junto ao consulado cubano não surtiu efeito. Os parentes de Niurka avaliam fazer uma procuração para que um brasileiro assine o processo de liberação dos falecidos. Uma conta bancária está sendo aberta para quitar os serviços funerários.
Segundo informações repassadas pelos familiares da mulher, o grupo estava em deslocamento ao Chuy, no Uruguai, "a passeio". Nas malas dos viajantes, estão afixados adesivos com a inscrição GRU-POA, o que indica que eles pegaram um voo de São Paulo a Porto Alegre antes de tomar o táxi. No Salgado Filho, o grupo se dividiu em dois táxis. Um deles ficou pelo caminho, enquanto o outro chegou ao Chuy. No desembarque na cidade uruguaia, uma mulher que foi chamada de "mama" por uma das passageiras aguardava a chegada os cubanos.
As informações são escassas, praticamente nulas, a respeito de Osmani, a última vítima fatal que estava no Cobalt. Os contatados até agora afirmaram não conhecê-lo e seus familiares ou amigos não fizeram contato. Seu corpo segue em uma das cinco gavetas refrigeradas do IML de Rio Grande, que fica junto à Santa Casa, hospital referência na região sul do Estado. Embora a PF tenha tomado breve depoimento de Armando, a investigação do acidente está sob responsabilidade da Polícia Civil.