Gaudêncio Fidélis, curador da exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, cancelada na tarde deste domingo pelo Santander Cultural depois de manifestações contrárias nas redes sociais, conversou com ZH por telefone. Fidélis conta que não teve participação no fechamento da mostra:
– Essa decisão foi unilateral do Santander. Não fui consultado em nenhum momento sobre isso e ninguém do Santander entrou em contato comigo ainda. Inclusive, fiquei sabendo do fechamento através de um grupo de whatsapp formado por apoiadores da Queermuseu. Sou absolutamente contra o fechamento.
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Para o curador, críticas e a repercussão nas redes sociais foi inesperada.
– Dentre as 270 obras da mostra, apenas quatro talvez pudessem ter causado essas manifestações. Recebo essa decisão como um choque. Não esperava nada do gênero, até porque a exposição estava sendo muito bem recebida e elogiada até agora. Estava tudo bem, até que, em algum momento, alguma coisa apareceu e desencadeou tudo isso. Esse pessoal do MBL é muito reacionário.
Em cartaz desde 14 de agosto no Santander Cultural, a Queermuseu sofreu acusações, em perfis de entidades e pessoas nas redes sociais, de promoção à blasfêmia contra símbolos católicos, pedofilia e pornografia. A proposta da mostra era dar visibilidade ao universo LGBT e a obras e artistas marginalizados.
Em entrevista ao programa Timeline, nesta segunda-feira (11), Gaudêncio explicou que a exposição é montada como um choque de imagens.
– A perspectiva e a narrativa que são construídas sobre a obra na exposição é completamente distorcida do contexto em que ela se encontra, inclusive, a respeito da iconografia. Ela não tem essa caráter chocante que foi retratado nas redes sociais – destacou.
Sobre a pintura de Antônio Obá que foi criticada por suposta blasfêmia a símbolos católicos, o curador apontou que a obra fala sobre um processo transubstanciação entre o corpo de Cristo e de cada um de nós.
– A gente tá numa exposição dialogando sobre o universo da arte que nos diz respeito. Se isso é tirado de contexto e transformado numa versão literal de uma outra coisa, de fato, não há muito o que podemos fazer em relação a isso – salientou.
Conforme Fidélis, as obras foram descontextualizadas nas redes sociais:
- As redes sociais têm a possibilidade de contextualizar as coisas de outra maneira. Eles criaram uma narrativa que não correspondem a realidade. Muitas pessoas não viram a exposição, viram a narrativa que foi construída na exposição.
O curador também respondeu às críticas ao fato da exposição ter sido financiada pela Lei Rouanet.
– A Lei Rouanet não foi criada para que nos fossemos ditos o que nós podemos ver ou não – pontuou. - Em 2017, algumas pessoas dizerem o que a gente pode ou não ver, é uma questão de fundo complicado – completou.
Segundo Fidélis, a Queermuseu não será levada para outro local por questões de logística, que são "extremamente complexas". Sobre tomar alguma medida contra o fechamento da mostra, o curador respondeu que "não, neste momento".
Ouça a entrevista: