A decisão do presidente Michel Temer, divulgada na quarta-feira (23), de por fim a uma reserva na Floresta Amazônica entre o Pará e o Amapá repercutiu mundialmente e vem causando sucessão de debates e críticas. Com a mudança, a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), de cerca de 4,6 milhões de hectares – o equivalente à área do Espírito Santo e pouco maior do que a área da Suíça – poderá ser explorada por mineradoras privadas.
Em abril, uma portaria do Ministério das Minas e Energia publicada no Diário Oficial sinalizava que a extinção da reserva "viabilizaria o acesso ao potencial mineral existente na região". Agora, com o decreto assinado por Temer na quarta-feira (23), empresas privadas poderão investir na região onde o governo brasileiro já atuava.
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Entenda o caso:
O que é a Reserva Nacional de Cobre e associados (Renca)?
A Renca é uma reserva na Floresta Amazônica, localizada entre o Pará e o Amapá. A área foi criada em 1984, durante a ditadura militar, e tem cerca de 4,6 milhões de hectares, pouco mais do que a área da Suíça. No local, há minas de ouro, ferro e cobre. Algumas zonas abrigam comunidades indígenas.
A área não é uma reserva ambiental, mas uma zona onde o governo tinha exclusividade de exploração de minério – o decreto assinado pelo Planalto na última quarta-feira (23) autoriza a exploração por parte de empresas privadas.
As críticas ocorrem porque a Renca abriga, em seu território, zonas de conservação, que poderiam ser afetadas pela exploração privada. Hoje, fazem parte da reserva sete unidades de conservação. Três são de proteção integral (Estação Ecológica do Jari, Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e Reserva Biológica de Maicuru), quatro de uso sustentável (Reserva Extrativista Rio Cajari, Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, Floresta Estadual do Amapá e Floresta Estadual do Paru) e duas são terras indígenas (Rio Paru d'Este e Waiãpi).
Por que a reserva foi extinta?
O fim da Renca faz parte do Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira, que pretende trazer mais investimentos ao setor e criou também a Agência Nacional de Mineração. Desde o fim de março e o começo de abril, o Ministério de Minas e Energia dá sinais de que a reserva poderia ser extinta.
A informação sobre o fim da reserva havia sido vazada?
Sim. Segundo a BBC Brasil, investidores e empresas de mineração do Canadá já sabiam da decisão com pelo menos cinco meses de antecedência. O país é um importante explorador de recursos minerais no Brasil e vem ampliando o interesse desde o início de 2017. Atualmente, cerca de 30 empresas canadenses já exploram minérios em território brasileiro – especialmente o ouro, que teria atraído garimpeiros à área da Renca nos últimos anos.
Em junho, dois meses antes da extinção oficial da reserva amazônica, a Câmara de Comércio Brasil-Canadá anunciou uma nova Comissão de Mineração, específica para negócios no Brasil, que reúne representantes dessas 30 empresas.
Quando a área será explorada por empresas privadas?
Apesar do decreto, a exploração mineral da Reserva Nacional de Cobre não deve incluir todo o território. Conforme a legislação atual, apenas uma área poderia ser explorada por empresas privadas: a Floresta Estadual do Paru, no Pará.
Atividades do tipo em terras indígenas dependem de autorização do Congresso, que é obrigado a ouvir as comunidades locais. Além disso, por lei, não é possível explorar minério em unidades de proteção integral, e as atividades em áreas de uso sustentável dependem de um plano de manejo.
Quem já criticou a decisão?
O decreto foi alvo de críticas. O ex-presidente Lula afirmou no sábado (26) que a concessão da Reserva Nacional de Cobre à iniciativa privada "afeta a soberania nacional".
– Não estão vendendo para fazer investimentos. Mas para atender interesses do mercado, de grandes empresários brasileiros e estrangeiros – declarou em evento na Paraíba, um dos pontos de sua caravana pelo Nordeste.
Marina Silva, em vídeo publicado na sexta-feira (25) no Facebook, afirmou que o fim da Renca éparte de negociações do Planalto com o Congressopara obter apoio.
– Antes, se fazia decreto para criar unidade de conservação, terra indígena e para proteger recursos naturais" (...) Agora estão fazendo decreto para acabar com o que foi feito em governos anteriores – criticou.
ONGs ambientalistas, como o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), manifestaram sua preocupação acerca da exploração da Renca, onde há grandes reservas naturais e populações indígenas.
Artistas e outras personalidades também se opuseram à decisão. A modelo Gisele Bündchen disse sentir "vergonha" por estarem "leiloando a nossa Amazônia". Ivete Sangalo, por sua vez, afirmou que estão "brincando com o nosso patrimônio". Também se manifestaram contra Elba Ramalho, Thiago Lacerda e Cauã Reymond, que usaram a hashtag #TodosPelaAmazonia.
O que diz o governo?
Em entrevista coletiva na sexta-feira (25), o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, afirmou que a Renca não é uma reserva ambiental, mas uma reserva destinada à exploração mineral.
– A Reserva Nacional do Cobre é uma reserva mineral. Nunca foi, nem em 1984, nem hoje, uma reserva ambiental. A área denominada Renca, dentro dela, tem uma série de reservas ambientais e reservas indígenas. Essas reservas continuam sendo reservas ambientais, sejam estaduais ou federais, e têm legislação própria para isso. Esse decreto não tem poder para se sobrepor a uma legislação ou uma lei. Então, qualquer área, dentro ou fora da Renca está sujeita à legislação ambiental do país – declarou.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que o decreto foi assinado por Temer para regularizar uma exploração que já ocorria na reserva.
– Antes ela (a reserva) era destinada apenas a exploração de cobre, mas clandestinamente exploravam outros minerais, como ouro. A medida não abre nenhuma área de exploração nova, apenas regulamenta as que hoje já acontecem de forma clandestina – afirmou.
Em nota, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República diz que o decreto não acabou com a reserva ambiental. "Como explicita o nome, o que deixou de existir foi uma antiga reserva mineral - e não ambiental. Nenhuma reserva ambiental da Amazônia foi tocada pela medida. A extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) não afeta as Unidades de Conservação Federais existentes na área - todas de proteção integral, onde não é permitida a mineração", diz o Planalto.
O texto diz, ainda, que qualquer empreendimento na área "terá de cumprir exigências federais rigorosas para licenciamento específico, que prevê ampla proteção socioambiental, como já mencionado no decreto". Por fim, diz que "a Renca não é um paraíso, como querem fazer parecer, erroneamente, alguns. Hoje, infelizmente, territórios da Renca original estão submetidos à degradação provocada pelo garimpo clandestino de ouro, que, além de espoliar as riquezas nacionais, destrói a natureza e polui os cursos de água com mercúrio".