Roma – A água fria e limpa de Roma flui por aquedutos antigos, escorre de fontes barrocas e é derramada incessantemente por milhares de bicas do século XIX que ainda enfeitam as ruas da cidade. Durante milênios, a água simbolizou o domínio de Roma sobre a natureza, suas proezas de engenharia e uma fonte profunda e aparentemente eterna de boa sorte.
"É um sinal de abundância, mas também de poder", explica Guido Giordano, geólogo especializado em água da Universidade Roma Tre. "Desde o mito inicial de Rômulo e Remo vindo do rio, a água é inerente à fundação de Roma."
E agora, tornou-se uma indicação de seu mais recente problema.
Uma seca severa e as altas temperaturas levaram as autoridades da cidade a considerar o racionamento de água potável por oito horas por dia para 1,5 milhão de moradores de Roma.
A crise da água se tornou mais um sinal de que o homem está à mercê de um clima cada vez mais extremo, mas também da impotência política, da falta de aptidão administrativa e do declínio geral de uma cidade que já foi poderosa.
A combatida prefeita de Roma, Virginia Raggi, prometeu impedir o racionamento, mesmo quando cidades menores já recorreram ao fechamento das torneiras. Raggi, cuja administração tem sido amplamente criticada como ineficaz, parece ter consciência de que privar os romanos de sua água potável tem o poder de afundá-la.
Desde maio, o serviço de água controlado pela prefeitura, o Acea, tem corrido para consertar dois mil dos seus sete mil quilômetros de canos, recuperando cerca de 100 litros por segundo.
Apesar de o site do Acea alardear "Roma, Regina Aquarum" (Roma, Rainha das Águas), seu sistema se tornou tão decrépito que cerca de 44 por cento da água é roubada, derramada no subterrâneo ou acaba vazando nas ruas.
A cidade diminuiu a pressão da distribuição para ajudar na conservação, forçando os moradores de apartamentos em andares altos a deixar baldes em seus banheiros e cozinhas. "Torneiras em risco. Uma corrida pela água engarrafada", berram os programas de notícias.
Na semana passada, o ministro da Saúde da Itália falou ansiosamente sobre o estrago que o racionamento de água faria em hospitais e para os doentes. Recentemente, o ministro do Meio Ambiente apareceu no Senado para expressar sua preocupação a respeito do impacto da seca em lagos e sugeriu que as autoridades examinassem os casos de roubo de água.
Em 22 de junho, depois de críticas contra sua falta de ação, Raggi enfrentou a oposição e decidiu iniciar um fechamento escalonado de 2.500 icônicos "nasone" – nariz grande –, os bebedouros que existem por toda a cidade. Desde 26 de julho, 200 deles foram fechados, segundo o serviço de água.
A cidade também está correndo contra um prazo da região do Lácio, à qual Roma pertence, para parar de drenar a água do Lago Bracciano, que fica próximo à cidade. O lago fornece oito por cento da água da cidade e seu nível caiu 1,5 metro.
Recentemente, técnicos mediram o nível de água em Anguillara Sabazia, uma pequena cidade vizinha ao lago. Trabalhando sob um monumento em ruínas dedicado no século XVIII a Pio XI, os pesquisadores determinaram que o nível do lago havia subido cerca de um centímetro depois de uma tempestade.
Um técnico encolheu os ombros, disse que a mudança não importava e apontou para as margens ao seu redor, onde um barco a remo estava encalhado em terra recém-exposta. "Está seco", falou.
Em um cais perto dali, Mauro Noro, 42 anos, jogou sua linha de pesca e contou que o lago estava no nível mais baixo que ele já havia visto. "Eles não deveriam mandar mais água daqui para Roma", afirmou.
Mas sem o Lago Bracciano para ajudar a diminuir a sede da cidade, Raggi e a empresa de água estão perdidas.
Esta primavera foi a segunda mais quente dos últimos 60 anos e a mais seca, com apenas 26 dias de chuva comparados com os 88 de 2016. Um relatório recente feito pela Legambiente, uma organização ambiental italiana, diz que a quantidade de chuva diminuiu de 80 a 85 por cento no Lácio se comparada com o ano passado.
E o Lácio está longe de ser a única área sem água da Itália. Varias das 20 regiões do país pediram uma declaração de estado de emergência para enfrentar as profundas secas. A associação de fazendeiros Coldiretti estimou os danos para a agricultura em US$ 2,4 bilhões.
Em maio, as regiões de Trento e Vêneto, no nordeste do país, brigaram pelos recursos hídricos. ("A Guerra da Água", dizia uma manchete do jornal La Stampa, de Turim.)
Alguns italianos buscam ajuda no céu. Neste verão, uma autoridade oficial de agricultura do Vêneto caminhou de Cittadella até Padova, enquanto rezava para santo Antônio para abrir os céus. Em Roscigno Campania, alguns fiéis fizeram uma procissão para a Madona de Constantinopla, conhecida como "madona que fabrica água".
Essas orações não foram atendidas. Mas o Vaticano, por sua vez, não está desperdiçando a crise da água.
Em um esforço para destacar a ênfase do Papa Francisco na defesa do meio ambiente, o Vaticano começou a cortar a água de 100 de suas fontes, incluindo algumas famosas projetadas por Gian Lorenzo Bernini na Praça de São Pedro.
"Não que o Vaticano esteja morrendo com problemas de água, mas conseguimos nossa água dos mesmos lugares que Roma, o Lago Bracciano e os aquedutos", explica Greg Burke, porta-voz do Vaticano, que reconhece que alguns dos fechamentos são simbólicos já que as fontes usam água reciclada.
Fazendo uma referência explicita à encíclica do papa sobre o meio ambiente, "Laudato Si'", Burke afirma: "Algumas vezes temos que fazer um sacrifício. Essa é a mensagem".
Esses sacrifícios pareceriam inimagináveis alguns anos atrás ou mesmo 2.329 anos atrás.
Em 312 a.C., a cidade terminou o aqueduto subterrâneo Appio, e nos séculos seguintes, a maioria de sua água veio de fontes subterrâneas em um raio de 40 quilômetros. O aqueduto trazia 706.607 litros de água por minuto para a cidade, servindo mais de um milhão de pessoas, segundo o livro "The Seven Hills of Rome: A Geological Tour of the Eternal City" (As Sete Colinas de Roma: Um Tour Geológico da Cidade Eterna).
Os romanos antigos tinham sua própria versão do Acea; Sexto Júlio Frontino foi o comissário da água para os imperadores Nerva e Trajano. Preocupado com a seca e com os incêndios, ele supervisionou a construção de reservatórios de emergência. O vazamento de água também era um problema na época, mas os vândalos e os ladrões eram punidos.
A não ser por uma época de seca na idade das trevas, a corrente constante de água potável tem surpreendido os visitantes de Roma há séculos. A água que corre por 56 quilômetros dos lindos aquedutos do Lago Bracciano até Roma fez com que o escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe se lembrasse de conquistadores voltando em triunfo para a cidade.
"É o mais pacífico dos benfeitores que entra com um poder semelhante. E é recebido com gratidão e admiração imediata por sua marcha longa e árdua", escreveu ele.
A campanha está ficando mais difícil. Uma falta geral de chuva seguida por tempestades curtas, mas concentradas, significa mais escoamento superficial e menos infiltração para as fontes de abastecimento subterrâneas.
Além disso, a recente falta de cobertura de neve sobre a cordilheira dos Apeninos, que é a principal fonte de água de Roma, significa que menos líquido chegou aos aquíferos da cidade.
Para além de Roma, as altas temperaturas provocaram incêndios que levaram os moradores e turistas da Sicília ao mar, onde barcos esperavam para tirá-los da região.
Desastres parecidos varreram o sul da França, a Espanha, Portugal e a Croácia neste verão seco e ardente. Na Itália, os bombeiros precisaram apagar incêndios por todo o país, incluindo em áreas em torno de Roma.
"Roma não pode ser deixada sozinha para enfrentar esse desastre ambiental", afirmou Raggi enquanto visitava uma área incendiada. Mas, no final, é o céu, irritantemente claro, que tem se mostrado menos cooperativo.
Mesmo Giordano, o geólogo que estuda a água para viver, tem tido dificuldades para se ajustar à falta nesta antiga terra de abundância hídrica.
"Cresci com a sensação de que a água estava sempre fluindo em Roma", conta ele, afirmando que quando as notícias de um possível racionamento começaram a aparecer ele pensou: "Uau! Em Roma!".
Por Jason Horowitz